Rapha Lima Costa
cinecríticauff
Published in
3 min readDec 16, 2017

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Existem muitas abordagens ao comentar obra de arte e, ao tomar Dançando no Escuro como exemplo, é possível elencar algumas. Seja pela direção de Lars von Trier, pela atuação de Björk seja pela relação abusiva entre eles divulgada 17 anos depois, Selma (Björk) ainda tem muito a comunicar a seus espectadores.

Somos apresentados às personagens do filme numa sequência eletro-eletrônica em dois sentidos: estamos numa fábrica e observando sons transformarem-se em música através da perspectiva de Selma. Ávida consumidora de musicais, a imigrante (mesmo quase cega) não consegue evitar que sua realidade adquira um ritmo próprio: do muito alegre ao depressivo. O filme consegue estabelecer nos primeiros minutos a dimensão das sequências musicais que apresentará ao longo de seus 142 minutos.

Selma (Bjork) e Kathy/Cvalda (Catherine Deneuve) na fábrica onde trabalham

As fortes referências a um estilo característico de filmes como Cantando na Chuva (1952) mesclam-se à musicalidade eclética e eletrônica que CDs anteriores da cantora exploraram. I’ve Seen It All, segunda música, é uma pequena orquestra que surge espontaneamente na cabeça de Selma e é construída a partir da gradação de sons diegéticos para não-diegéticos, ou seja, dos presentes na trama para os que apenas o espectador escuta. Uma certa ênfase à não-naturalidade dessa transição reforça o quão desprendida da realidade a protagonista se encontra. Ao procurar criar sua própria realidade, Selma é empática, depressiva e urgente e a tradução desses sentimentos para beats “eletro-clássicos” sublinham assinatura de Björk na produção do longa.

O desenvolvimento de personagem é acelerado pela trilha sonora produzida pela cantora e as letras — escritas em parceria com Lars e Sjón, um poeta islandês — contam e cantam o que há de mais profundo em Selma. O caráter sonhador da personagem é explorado em ode aos antigos musicais (In the Musicals) e no pesadelo que ela enfrenta mais próximo ao final do filme, momento em que ela canta — e conta! — os 107 passos que a levarão para seu fim.

O filme musical — formato novidade para os dois grandes nomes envolvidos — foi lançado em 2000 e teve reconhecimento tanto em Cannes com a Palma de Ouro para Lars e prêmio de melhor atriz para Björk, quanto no Oscar com a indicação de I’Ve Seen it All para melhor música original.

Na época, a cantora foi taxada como uma pessoa difícil de se trabalhar. Apenas em 2017 os assédios sexuais promovidos pelo diretor foram expostos por Bjork e adicionaram uma nova camada de entendimento para o desespero que Selma transmite ao ser assediada. Apesar dos pesares, Dançando no Escuro foi um marco na carreira e na história dos musicais contemporâneos, com temática psicológica e sensível, certa inovação para o estilo.

I’ve Seen it All, cantada com Jeff (Peter Stormare)

Ficha Técnica

Filme: Dançando no Escuro (Dancer in the Dark)

Ano: 2000

Gênero: Drama, Musical

Elenco: Bjork, Catherine Deneuve, David Morse, Peter Stormare

Direção: Lars von Trier

Fotografia: Robby Müller

Trilha Sonora: Bjork

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