“Guilty!” — The Sinner, a série perfeita para assassinar todos os planos do fim de semana

Victor Prado
cinecríticauff
Published in
5 min readNov 27, 2017

Muito além de um drama policial ou um emoldurado suspense, a nova série da Netflix, The Sinner é a adaptação televisiva do livro homônimo de Petra Hammesfahr: um apanhado de crime, uso de drogas, relações familiares problemáticas, com uma pitada de terror psicológico, e, além disso, protagonizada e produzida por Jessica Biel, a inesquecível Erin da versão mais recente do longa “O massacre da serra elétrica”.

Ao longo dos 8 episódios, o roteiro se desenvolve em: começo, meio e fim, numa narrativa principal não-linear e sub-narrativas que compõem uma história no estilo How To Get Away With Murder, de Peter Nowalk e Shonda Rhimes (também disponível no catálogo da Netflix), em que o enredo funciona como a reconstituição de um crime, cheio de versões para os mesmos depoimentos e cenas; memórias inseridas, que quebram a linearidade da narrativa propositalmente, com o intuito de chegar na resolução de um hesitação fundamental.

Logo no início do piloto, Cora Tannetti (Jessica Biel) se apresenta para os espectadores como uma jovem que trabalha com seu marido e sogro, cuida de seu filho de aproximadamente 3 anos, em suma, leva uma vida aparentemente comum. No entanto, nuances de danos emocionais rodeiam Cora, que carrega uma expressão misteriosa e, justamente aos 14 minutos do primeiro episódio, num momento de lazer com sua família, ela publicamente esfaqueia um estudante de medicina em meio a um surto de instabilidade psicológica sem explicação aparente, assim, é presa e, a partir de então, o que passa a nortear a obra são os seguintes questionamentos: “por que ela matou J.D. (Jacob Pitts) e qual seu envolvimento com o rapaz, inicialmente apresentado como um perfeito desconhecido?”.

Na prisão: Cora e detetive Harry

Após a prisão de Cora, Harry Ambrose, detetive que vive na pele de Bill Pullman, se envolve com o crime de uma maneira muito peculiar, o que pode ser explicado através da narrativa secundária, que é a caótica e inusitada vida pessoal do investigador, que se identifica com o caso e, traça como missão primordial ganhar a confiança da detenta e tentar extrair dela tudo que há escondido dentro das águas escuras de seu subconsciente para tentar ajuda-la a: 1) entender o crime, de fato, frente ao comportamento tão improvável e enfurecido da matriarca, 2) sair da cadeia, por razões obvias, concernidas ao ambiente e às condições penitenciárias nos EUA. Justamente, a partir de cenas de seu passado (a priori, desconexas, mas que fazem sentido na seção meio-fim da história), a esfera psicológica da protagonista começa a tomar forma e, as ligações de tudo aquilo que está além da time-line da trama começam a ser reveladas num ritmo muito organizado, o que confere à serie diversos cliffhangers e faz com que o espectador queira cancelar todos os compromissos de seu final de semana para poder maratonar The Sinner, no estilo Netflix and Chill, tão característico dos produtos originais do serviço de streaming.

“The problem with programmes that hinge on a gimmick as grabby as this is that the answers are often much less satisfying than the inciting incident. But the joy of The Sinner is getting to watch Biel do everything in her power to just get the ordeal over with. A more traditional show would turn the relationship between her and Pullman into a cat and mouse, but that isn’t really the case here. The mouse is splayed out on the floor begging to be eaten and the cat can’t understand why.” (The Guardian)

Outro diferencial é o timing, perfeito ao longo da série inteira, que não deixa para desenvolver tudo no fim, numa súbita sucessão de revelações contrastadas aos trôpegos episódios anteriores. Em The Sinner, cada episódio acaba num cenário de mistério inacabado que é, constantemente, incrementado no episódio seguinte, configurando, assim, uma espécie de puzzle que é construído a partir de lembranças e sessões de hipnoterapia que a protagonista é convidada, pelo investigador, a fazer.

Na infância: Cora e Phoebe

Em relação às temáticas, a série toca em questões familiares e religiosas pertencentes ao passado de Cora, que cresceu em um núcleo familiar caótico composto por uma mãe bitolada, um pai infiel e a irmã Phoebe ( Nadia Alexander) que sofre com problemas de saúde graves. Fanática religiosa, a mãe envolve todos da família em uma doentia relação de culpa cristã para a doença da filha mais nova. Enquanto Phoebe cresce sendo um milagre, Cora é tratada como uma pecadora responsável por todas as recaídas da irmã, sob justificativas absurdas como “sua irmã ficou doente porque você não orou pelo milagre de sua vida hoje”. Ao longo dos flashbacks, a relação das irmãs se desenvolve e fica cada vez mais estreita, enquanto os laços com seus pais se afrouxam a cada cena.

Para além dos homicídios, outros temas abordado são o do uso e comercialização de drogas, a vida boêmia, relações amorosas abusivas e dominação e submissão sexuais. Solúveis na história central, essas matérias são a veia aorta para entender o elo estabelecido entre o personagem de Bill Pullman e de Jessica Biel e, como o passado de ambos converge naquela exata situação de tribuna que está prestes a condenar uma mulher sem entender os motivos de seus atos fatais, enquadramento comum na prática dos sistemas judiciários que costumam apreender somente a superficialidade tátil das infrações às leis e culminam em culpabilização de vítimas e inocentes.

Sem mais delongas, nem spoilers, The Sinner consegue, de maneira muito coesa, dissolver todas as arestas da trama dentro do roteiro, que não se esquece de nenhuma frase de efeito, nem de nenhuma cena não-linear, atribuindo sentido a tudo aquilo que parecia perdido ou, mera preocupação estética, tudo isso mergulhado numa atmosfera de insanidade e mistério. Diante do exposto, The Sinner é uma série acusada de homicídio doloso, pois demanda fôlego, mas ao mesmo tempo, não te deixa parar para respirar.

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