Johnny Massaro fuma muito em “O Filme da Minha Vida”

Gabriel Rios
cinecríticauff
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5 min readNov 13, 2017

Acender um cigarro em todo canto, principalmente ao perder os olhos em uma paisagem para refletir, andar tranquilamente pelas ruas e, singelamente, falar do filme novo em cartaz na cidade. É isso. Ou quase. No “quase” entram relações familiares, os traumas, o aprisionamento com questões do passado e poucas respostas. Ou melhor, muitas perguntas.

Selton Melo, ao escrever e dirigir seu terceiro longa, construiu um filme sobre afeto, relações familiares e, principalmente, sobre o tempo. A percepção do tempo, as marcas dele, a ilusão de seu controle e o medo de envelhecer. Referências que são perceptíveis tanto na nostalgia, quanto no cenário e nos diálogos bem marcados que definem o “compositor de destinos”, citando Caetano.

E por falar em destino, a história é sobre Tony Terranova (Johnny Massaro) e sua melancolia. Ao retornar para casa após algum tempo estudando na capital, o agora professor chega no mesmo trem em que Nicolas, seu pai — e grande referencia familiar — vai embora. O que Tony sabe é que seu pai voltou para França. A partir daí, entre memórias narradas e cenas de um vazio existencial, reflexo da tristeza e da ausência paterna, o jovem professor tenta entender o porquê de seu pai ter abandonado a família. Na narrativa entram cigarros, mulheres, seus alunos, sua mãe, um cinema e Paco, criador de porcos e amigo da família, interpretado pelo próprio diretor.

Voltando a Caetano, a trilha sonora, que não é tão brasileira assim, é linda. É um teletransporte para a época do filme que permite sentir um gostinho de França em terras sulistas. Fechar os olhos e só ouvir as músicas e narrações quase sussurradas de Johnny Massaro é quase tão confortável quanto o desejo de não os fechar para apreciar a junção com as lindas imagens. A fotografia do filme, assinada por Walter Carvalho, é impecável. O detalhamento de objetos, o slow motion de algumas cenas e os suspiros filmados delicadamente são sensíveis e encantam. Os encaixes de cenas milimetricamente medidas são simpáticos aos olhos, principalmente do espectador que se agrada de simetria. É belo também o cenário. A cidadezinha da serra gaúcha é bonita e pictorialista. Junta-se a isso os tons pastéis e um vermelho marcado, filmagens no nevoeiro de um dia frio, o clarão entrando pelas cortinas e as casas amadeiradas convidando o espectador a entrar e querer ficar ali por um tempo.

Tempo que voa. E o filme acaba pedindo por mais. O que pode não ser tão positivo. O desejo de mais explicações pelo espectador aparece e esses buracos ou assuntos mal resolvidos podem não ser enxergados como um desafio de se tornar um espectador ideal que aprecia as lacunas não preenchidas. Alguns desses espaços precisavam ser ao menos tapeados. Se por um lado os personagens se aproximam do caricato — a moça linda que tem medo dos efeitos do tempo na beleza, o menino de 15 anos doido para perder a virgindade, o cabaré e suas poucas variações em narrativas, entre outros — e juntam-se a construção do cenário e de sequências que revelam parcial ou totalmente suas facetas, por outro não há espaço para réplica, ou um desenvolvimento, de fato, dos mesmo.

Tomando como exemplo Petra, irmã do par de Tony, representada por Bia Arantes, vemos a falta de interesse de explicar e dar espaços para a personagem, que se revela importante em um momento da narrativa, mas que se mantém contida a olhares. A relação de Tony com sua mãe é quase resumida em diálogos curtos, troca de olhares e as marcas de mágoa nas cenas em que ela relembra do passado com Nicolas, que é retratado de forma demasiada romântica no fechamento do filme. É tão justificável assim a ruptura com uma família, deixando o filho e toda sua afetividade, pelo motivo apresentado? O próprio Paco poderia ter uma conclusão para além de um soco e colaborar com o preenchimento da história.

O personagem principal é expressivo, o que Johnny Massaro consegue marcar com as arregaladas de olhos e repuxadas de boca. O que trava um pouco o personagem é o próprio tempo. A virada inicial do ator, escrevendo uma carta de despedida para o pai e aparentemente mudando sua forma de agir, não dura duas cenas. Esse seria um ponto interessante para destacar as mudanças de amadurecimento do personagem, que são deixadas para um último momento onde, repentinamente, o até então introvertido e melancólico professor, aparece na festa de aniversário de seu aluno, regada a jogos de luz vermelha, com a gola do agasalho em pé, andar malandro e um sorriso malicioso de canto de boca.

Para quem se permite entrar na atmosfera do filme e se permite conduzir pela imagem, o filme funciona. A contemplação é variável — ponto positivo para obras apreciativas com poucos diálogos (ou diálogos pouco desenvolvidos). O que é um convite para entrar na época proposta, comprar um ingresso, pipoca e perder os olhos na tela.

Só não acenda um cigarro. É proibido fumar em ambientes fechados.

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