A experiência estética em Pink Narcissus

Anticristo Vegan
cinecríticauff
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4 min readNov 25, 2017

Inicialmente lançado sob autoria anônima, Pink Narcissus conta a história de Narcissus (Bobby Kendall), um jovem prostituto homossexual, que incessantemente explora suas mais diversas fantasias sexuais de dentro das rosadas paredes de seu quarto enquanto espera pela chegada de um de seus clientes.

Bobby Kendall interpretando o jovem Narcissus

Anos antes de ser descoberta a autoria do filme — processo que levou quase uma década — , muitos rumores apontavam para Andy Warhol como idealizador do projeto, até que finalmente fosse descoberto pelo escritor Bruce Benderson, grande amante do filme, o verdadeiro responsável pela criação da obra: o norte-americano James Bidgood, o qual filmou todo o conteúdo em super 8 durante um período de 7 anos até que, um ano após finalizado, fosse transcrito por uma distribuidora de filmes independentes, a hoje extinta Sherpix, para a rodagem em 35mm e, em seguida, lançado em 1971 sem a aprovação do diretor. Descontente com o resultado final de edição, James preferiu ter seu nome atribuído apenas como "Anonymous".

"Les folies des Hommes"

A obra é considerada uma grande referência dentro do cinema experimental LGBT, colocando Bidgood ao lado de diretores da cena gay underground como Warhol, Derek Jarman e Kenneth Anger; tudo isto devido a forte carga homoerótica utilizada na construção de seus elementos cenográficos que majoritariamente dão destaque ao corpo e ao figurino através de uma sensibilidade de extrema extravagância, projetados às telas através do ator Bobby Kendall, sendo introduzidos e fortemente agregados elementos da “pulp and glamour” hollywoodiana sob uma perspectiva estética extremamente kitsch; combinação que influenciou diversos artistas do campo das artes visuais, como os irmãos Pierre et Gilles — famosa dupla de fotógrafos franceses — , e o norte-americano David LaChapalle, conhecido por ter dirigido diversos videoclipes de música pop e por suas fotografias surrealistas.

Devido à certa ausência de uma expressividade narrativa em sua própria linguagem enunciativa, o filme acaba que por funcionar mais como uma espécie de "poema audiovisual", em todo seu apego de construção e identidade estética, do que por sua técnica e habilidade de externar continuidade ao olhar do espectador, dando central destaque aos figurinos, à montagem, aos corpos dos modelos — ora nús, ora não — , e suas mais diversas derivações de expressão, sejam pelo plano no olhar ou pelo enfoque em ações minimamente banalizadas no cotidiano, como o tragar de um cigarro do personagem. Tudo aqui é palco de destaque e motivo de epifania a fim de se construir um "eros" inconsciente. A ausência vira charme e o detalhe vira alvo de proeminência.

A aglutinação entre a música, adaptada de acordo com a imagética explorada por Narcissus, e as diferentes projeções causadas pela harmonia das cores vibrantes em um amplo jogo de iluminação (que intercala entre o azul e o rosa), combinam ao criar uma atmosfera extremamente efêmera e excêntrica — que transita entre o épico e o intimista—, cujo combustível é justamente o epicentrismo imaginativo do personagem e sua imersão fantasiosa nas mais involuntárias manifestações do desejo humano sob o espectro da masculinidade: homens dominadores, gladiadores romanos, a figura do grego e do cowboy e diversos outros arquétipos apropriados pela cultura LGBT, que moldam e conduzem a extravagante e psicodélica narrativa visual. O quarto de Narcissus vira seu santuário sexual. Não há ações corridas, apenas reverberações cênicas enunciativas que viram palco dos mais variados fetiches do personagem, que assim idealiza diversos universos edificados pelos desejos de seu inconsciente: das insinuações sexuais em um banheiro à jardins floridos e coloridos, à cenários escuros que remetem o anseio por uma experiência com o desconhecido. Todos propositalmente criados pelo autor a fim de serem planificados no imaginário do telespectador.

Ao fim de Pink Narcissus, a sensação projetada nada mais evidencia do que uma forte tentativa de se compilar certo olhar semiótico a uma identidade sexual construída através dos mais diferentes fenômenos atrelados a ideias e comportamentos dentro do universo gay, se apropriando de diversos estimulantes e simbologias para promover a exploração das mais singulares formas de materialização deste imaginário representativo que giram em torno do encantamento ao corpo masculino, através de uma forte estilização visual, propositalmente muito erotizada, responsável por transitar a obra entre a fictícia construção do fazer cinematográfico e os desejos mais profundos arquitetados pela mente humana.

Primeiro poster promocional do filme.

Ficha Técnica:

Filme: Pink Narcissus

Ano: 1971

Gênero: Drama, Experimental

Elenco: Bobby Kendall, Don Brooks, Charles Ludlam

Direção: James Bidgood

Fotografia: James Bidgood

Trilha Sonora: Martin Jay Sadof e Gary Goch

© Sherpix Inc

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