“No devagar depressa dos tempos”

Yasmin Lucchesi
cinecríticauff
Published in
4 min readDec 11, 2017

A abordagem de questões sociais de maneira poética por Eliza Capai.

Ficha Técnica
Gênero: Documentário
Direção: Eliza Capai
Duração: 00:24:59
Ano: 2015

D irigido por Eliza Capai, documentarista premiada que já produziu em mais de 25 países documentários com temáticas de gênero e sociais, No devagar depressa dos tempos acontece em Guariba, sertão do Piauí (cidade-símbolo do lançamento do programa Fome Zero, onde a maioria da população recebe o benefício do Bolsa Família).

A obra é de 2015, mas em 2016 foi reduzida para fazer parte da série documental do Canal Futura “Sala de Notícias — Políticas públicas que deram certo”, que foi toda dirigida, nos seus mais diversos temas, por Eliza. Já no nome carrega frase que faz referência ao Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, grande clássico da literatura brasileira com temática regionalista.

Em No devagar depressa dos tempos somos inseridos, para além do contexto de miséria e pobreza (experiência já apresentada em outros documentários como Garapa e Teodorico, o Imperador do Sertão), na situação específica das mulheres que vivem no sertão. Na primeira entrevista, dada pelo único homem que participa do filme, já somos apresentados ao cenário em que essas mulheres vivem, onde homens são inegavelmente superiores a mulheres. Sem o machismo velado com o qual estamos acostumadas, ali a colocação é sincera, crua e direta.

Partindo desse momento de extrema necessidade para a inserção mínima da espectadora, finalmente começamos a escutá-las. A primeira, Luzia, se encontra sem palavras quando é indagada sobre o que é ser mulher e apenas diz “ser mulher é mulher”. Não consegue externalizar em palavras, mas claramente sabe, porque sente, porque passa por isso todos os dias e em cada ato é diferenciada. E depois dessa fala, que é tão significativa quando refletida, entramos no mundo dessas mulheres que têm sido tão subestimadas.

Através dos relatos a conclusão é dada: não existe perspectiva. O destino dessas mulheres foi traçado, já na adolescência se casam, se tornam mães e daí em diante precisam cuidar da casa e de suas crias, cumprir “seu papel” social. Essa história nos é conhecida, infelizmente. O que existe de novo é Eliza, sendo extremamente sensível na construção da narrativa de cada uma, mesmo quando aborda temas pesados, como violência doméstica, o faz de maneira sutil. Não expõe as entrevistadas de forma truculenta, não as reduz a isso. Pelo contrário, as imagens de apoio mostrando a seca e as dificuldades explicitam o quão fortes essas mulheres são por resistirem nesse caos.

A questão da maternidade é extremamente recorrente, a preocupação e o zelo dessas mães é sempre mostrado, e com o desenrolar da narrativa as crianças, antes secundárias, passam então a protagonizar o documentário. Se por um lado a vida das mulheres antes mostradas parece estar fadada a permanecer buscando sobrevivência, por outro,suas filhas desejam muito mais. Com o provável incentivo (mesmo que inconsciente) de suas criadoras e uma rotina na escola, as meninas possuem a oportunidade de sair do lugar comum em que foram colocadas e todas alegam não querer casar ou ter filhos, mas sim trabalhar. Mesmo que, na teoria, uma coisa não precisasse anular a outra, é surpreendente e admirador escutar isso das crianças ali inseridas.

Instrumentalizando a reflexão promovida pelas vivências mostradas, o documentário então se encerra mostrando dados de queda da mortalidade infantil e da taxa de natalidade e aumento no número de divórcios nas regiões mais pobres do país, interligando assim os avanços sociais com a emancipação feminina. A situação ainda é crítica, mas ter contato com esses números e relatos nos deixa com uma pitada de esperança no coração de que dias melhores estão por vir para as nossas meninas.

Conversando com mulheres de duas gerações, escutamos como era, como é e como pode ser a vida de quem acaba de cruzar a linha da miséria. De um lado seca, alcolismo, violência familiar e fome. Chegada do Estado, renda, educação e auto-estima do outro. No embate do que era e do que começa a ser, vislumbramos um tempo de rápidas mudanças no devagar daqueles tempos. (Eliza Capai)

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