O melhor prato italiano… É o chumbo siciliano

João Alves
cinecríticauff
Published in
6 min readOct 9, 2017

I’m gonna make him an offer he can’t refuse

A adaptação cinematográfica de The Godfather há muito tempo me fascina. Me recordo que, desde minha pré-adolescência, a história escrita por Mario Puzo e trazida às telas por Coppola, me causava espanto, admiração, repulsa, medo e o já mencionado fascínio. Essa mistura de sensações sempre me causou a dúvida: como um filme que retrata uma família de mafiosos inescrupulosos pode me marcar tanto?

Creio que a genialidade de Coppola tenha algo a ver com isso…

Apesar de estar começando a trilhar seu caminho como diretor, do orçamento curto e dos problemas com a equipe da Paramount, Coppola conseguiu dirigir uma obra que ficou marcada na história como um clássico. E o que o classifica como tal? A quantidade de fatores rivaliza com a quantidade de mortos no filme, no entanto, farei um esforço para enumerá-los.

Comecemos pelo enredo (que para mim é a parte mais impactante do filme):

A história do primeiro filme gira em torno da famiglia de Don Vito Corleone (vivido por Marlon Brando), os Corleones. Imigrante siciliano em terras yankes, Don Vito é um homem bem sucedido, idoso, (aparentemente) bondoso e respeitado por todos. Creio que muitos gostariam de envelhecer como Vito, não é mesmo? Até a hora em que descobrimos que, Don Corleone na verdade é um dos membros mais antigos e respeitados da violenta máfia ítalo-americana, que age durante os 70’s nova iorquinos. Ele e seus filhos masculinos, Sonny (James Caan), Fredo (John Cazale), Tom (Robert Duval) e (futuramente) Michael (Al Pacino) juntos à alguns homens de confiança (capos e consigliere), são os responsáveis por gerir a organização criminosa, à velha maneira Siciliana. Tal maneira de gerir os negócios inclui subornos, extorsões, violência física e até assassinatos.

No entanto, Coppola não se atém somente ao universo do crime e da máfia italiana, mas também às dificuldades de convivência entre família e amigos. Em diversos diálogos riquíssimos vemos o Don agindo de acordo com seu senso de honra para resolver problemas dentro de sua própria família. Problemas como o temperamento esquentado de seu filho mais velho, a falta de pulso de Fredo, a frustração de seu filho adotado, a distância de seu enigmático filho mais novo, entre outros. O desenrolar da trama basicamente gira em torno dos problemas de uma família mesclados com os problemas de uma organização mafiosa onde a honra e o dinheiro falam mais alto.

É interessante ressaltar que, muitos afirmam que o filme não é sobre Don Vito e sim sobre seu filho Michael e sua jornada de autodescobrimento. É ele quem passa pelo maior arco dramático que acaba por alterar consideravelmente sua composição. Michael inicialmente nos é apresentado como um dos membros menos conectados à família (por renegar o lado criminoso da mesma), como um herói de guerra e como um homem apaixonado. Quem imaginaria que com o desenrolar da trama, Michael seria engolido pelo mundo da máfia e acabaria por lentamente se tornar aquilo que mais repudia? O arco de Mike Corleone é um dos que mais prendem a atenção durante o filme pois sua introspecção e a dificuldade do filme em elucidar a lógica do personagem fazem com que ele seja imprevisível e que se mantenha como um enigma durante o filme. Além disso, o papel foi executado com maestria por Pacino. Ele e a direção de arte podem ser responsabilizados pelo excelente trabalho de trazer o personagem à vida.

Além do enredo, a direção de arte merece destaque pois, cenas marcantes da história do cinema são originárias deste filme.

Uma delas é a clássica cena que ocorre quando Don Corleone está a comprar laranjas na feira, quando homens armados tentam o assassinar. Porém, a vítima, dotada de anos de experiência no mundo do crime, nota seus atacantes e tenta despistá-los. No entanto, o Don não é bem sucedido e durante a tentativa de fuga, Vito, é alvejado e deixa seu saco de frutas cair, enquanto seus perseguidores terminam o serviço e saem em retirada. Todo o clímax da cena é visto por uma câmera acima, que demonstra os atacantes e o corpo do mafioso sendo alvejado, o que aumenta ainda mais a tensão dos espectadores.

O curioso é que esta sequência só foi realizada porque Coppola tinha aversão à cenas violentas e então foi necessário que um diretor de arte (Warren Clymer) fosse chamado para auxiliar Coppola em sua missão. Assim sendo, os dois foram responsáveis por agregar elementos sutis que distraem o espectador durante as cenas mais pesadas. Além desta sequência da feira, é possível destacar a cena em que Carlo Rizzi (marido de Connie, filha do Don) é assassinado dentro de um carro. Para deixar a cena menos explícita vemos seu pé quebrando o para-brisa (chegando a sair do carro) o que faz com que o vidro rachado nos impeça de ver a cena com muitos detalhes. Um pouco mais sutil.

Tais recursos foram incorporados para dar a textura de violência necessária da cena ao mesmo tempo que atende aos desejos de Coppola.

Já sobre o aspecto fotográfico do filme, é possível afirmar que os tons escuros e a iluminação criaram o ambiente sombrio necessário para o filme. Apesar das filosofias distintas e de desentendimentos ocasionais com Coppola, o trabalho minucioso de Gordon Willis é louvável e é um dos aspectos técnicos mais importantes do filme. Logo no começo da película, podemos notar que a iluminação acima do rosto de Don Corleone foi realizada com o objetivo de gerar sombras sobre o rosto (especialmente os olhos) de Brando e assim criar um ar sombrio sobre o personagem.

Assim como as sombras, esses tons escuros se fazem presente do começo do filme até o final (nos ternos, carros pretos, salas pouco iluminadas etc), servindo como recurso para representar o clima do submundo do crime nova iorquino assim como, o estado de espírito de alguns personagens principais, como Michael Corleone. No entanto, a fotografia acompanha e muda juntamente ao enredo. Isso fica evidente quando Mike é enviado para exílio na Itália, os tons escuros dão lugar às tonalidades quentes da ensolarada sicília.

E assim como antes, a fotografia é recurso para ajudar a elucidar o estado de espírito de Michael. Em seu exílio, ele se apaixona novamente e encontra um porto seguro (mesmo que momentâneo) nos braços de sua nova amada Appolonia.

Finalmente, destaco a atuação (impecável) de Brando e de outros atores que viriam à se tornar gigantes de Hollywood. Marlon que era preferido por Coppola mas odiado pelo produtores precisava de uma redenção após seguidos fiascos em sua carreira. E assim o fez (sua atuação como Don o rendeu um Oscar de melhor ator).

É interessante apontar que no filme não há afirmações didáticas nem diálogos que explicitam o rumo da história através de desnecessárias explicações. Se trata de uma economia narrativa que apresenta o que deve ser apresentado no momento certo e confia na capacidade do público de realizar as devidas conexões, ligando pequenos detalhes na atuação, no cenário, no figurino, no diálogo entre outros.

O resultado de tal esforço foi um filme épico, ricamente ilustrado e marcante. Tal feito aliado ao sucesso do livro (que gerou o hype para o filme) fez com que The Godfather se concretizasse como um sucesso de crítica e público e premiado com 3 Oscar’s ( melhor filme, roteiro e ator). Com todos estes fatores em mente fica fácil enxergar a razão pela qual The Godfather é considerado um dos melhores filmes já feitos, influenciando diversas outras produções (especialmente as relacionadas à máfia italiana) e cavando seu espaço no hall das grandes produções audiovisuais de todos os tempos.

Obrigado pelo seu tempo!

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