“Oh my god, look at her butt”

O empoderamento da mulher negra através do próprio corpo

Juliano Figueiredo
cinecríticauff
5 min readNov 21, 2017

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Ficha Técnica:

Título: Anaconda
Artista: Nicki Minaj
Álbum: The Pinkprint
Direção: Colin Tilley
Produção: Brandon Bonfiglio, Keith Louis Brown, Luga Podesta, Jamee Ranta
Cinematografia: Joseph Labisi
Duração: 4:49
Ano: 2014
Produtora: London Alley Entertainment

Anaconda, lançado por Nicki Minaj, tem sido constantemente injustiçado no que tange à interpretação de seu conteúdo. Em sua grande maioria, as críticas o apontam como um vídeo que objetifica o corpo da mulher negra. Entretanto, é importante ter em vista que Nicki é uma mulher negra, ou seja, se há objetificação, ela não parte do que Nicki faz com o próprio corpo, mas sim dos olhos de quem está vendo.

Anaconda é uma música feita a partir de vários samples, sendo o principal deles “Oh my gosh, look at her butt”, de Baby Got Back do rapper norte-americano Sir Mix-A-Lot. No videoclipe deste, teoricamente, o rapper tenta enaltecer a beleza da mulher negra colocando, logo no início, uma garota branca dizendo a frase sampleada por Nicki em Anaconda e colocando muitas garotas negras (with big butts) dançando no clipe. Entretanto, a suposta tentativa do rapper de enaltecer a beleza da mulher negra no clipe acabou por se tornar apenas mais um espetáculo de objetificação do corpo das mulheres, como é de praxe na Indústria Cultural, mas que não se repete em Anaconda.

Ao samplear o clipe de Sir Mix-A-Lot, Nicki está tentando dizer que “se é pra enaltecer a beleza da mulher negra, deixe que nós mesmas, que sabemos como, fazemos isso”. Então o clipe não deve ser visto como uma objetificação, mas como empoderamento das mulheres negras através de seus corpos.

São vários os elementos no clipe que nos levam a pensar desta forma. Entre eles, pode-se listar o sentimento de sisterhood entre Nicki e suas dançarinas: nunca, no clipe, são postas uma contra as outras, competindo de forma a se mostrarem mais bonitas ou mais talentosas, como é comum em outros clipes. Em Anaconda, as mulheres estão unidas, ajudando umas as outras a serem incríveis, não para homens, mas para elas mesmas, numa celebração do sentimento de sororidade.

“Não para homens” porque outro elemento importante no clipe são as referências à figura masculina, mas sem ter um homem no clipe para as observar sendo incríveis. Figuras como bananas, pepinos etc. são constantemente postas em evidência, mas é pouco antes do final que elas mostram com qual objetivo foram colocadas ali. Nicki picota as bananas, quebra o pepino ao meio, joga a banana fora… esses signos podem e devem, na minha opinião, ser interpretados como uma total negação da figura masculina no videoclipe. Elas não precisam de homens para as assistirem e dizer que são incríveis. Elas simplesmente são.

Além disso, Nicki tem mais afrontas a fazer: com os padrões de beleza da indústria, os quais valorizam a beleza das mulheres brancas, magras e loiras. Anaconda não é apenas um clipe feminista, muito menos objetificador (e eu espero que a esse ponto do texto você já tenha percebido que tal pensamento sobre o clipe é absurdo e até mesmo uma ofensa). Ela especifica que o clipe é direcionado para o empoderamento das mulheres negras, que são postas, por homens brancos ou negros e pelas mulheres brancas, em papeis sociais que estão à margem da margem da sociedade. Ela diz: “This one is for my bitches/ With a fat ass in the fucking club/ I said, where my fat ass big bitches/ In the club?/ Fuck the skinny bitches!/ Fuck the skinny bitches in the club!/ I wanna see all the big fat ass/ Bitches in the muthafuckin’ club/ Fuck you if you skinny bitches, what?”.

Por fim, Nicki coloca no clipe um homem, o rapper Drake, sentado numa cadeira para vê-la dançar. Ela dança de forma bastante sensual, como faz normalmente, mas, como sempre, deixando evidente quem está no controle da situação. Por fim, quando Drake acaba colocando as mãos nela, ela as afasta, afronta o cantor, vira as costas e vai embora, mais uma vez mostrando quem manda ali e negando mais uma vez, só que de forma mais explícita, a figura masculina.

Nicki é reconhecida por muitos como a melhor rapper feminina do mundo, algo admirável visto que outras rappers que tentam fazer o que ela faz no sentido de por evidência os problemas socioculturais que as mulheres negras enfrentam, principalmente nos Estados Unidos, são tratadas pela mídia como loucas, barraqueiras e histéricas, como a rapper Azealia Banks. Figuras como a de Nicki, Beyoncé, Azealia etc. são de suma importância para o movimento feminista das mulheres negras, uma vez que levam para a periferia as questões abarcadas pelo movimento feminista, que, tanto nos Estados Unidos quanto aqui no Brasil, é essencialmente branco e acadêmico.

E que venham cada vez mais “Anacondas”, “Formations” e mais músicas que ponham em evidencia as lutas que mulheres, negros, LGBTTI e todas as minorias devem enfrentar para poderem ser reconhecidos como cidadãos merecedores de direitos iguais aos do homem, branco, hetero, cis… Pois, como disse a cantora Pitty, “eu não volto pra cozinha, nem o negro pra senzala, nem o gay pro armário”, a luta por direitos iguais vai continuar e quanto mais evidência essas lutas ganharem na mídia, melhor.

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