“Silêncio” fala pouco, mas suficiente.

Vitor Neves Martins
3 min readDec 2, 2017

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Liam Neeson no filme “Silêncio”.

Mesmo com tanta abertura para trocadilhos — muitos deles fracos, diga-se de passagem — o título “Silêncio” (Silence, 2016) não poderia ser mais adequado para o recente longa do veterano cineasta Martin Scorsese. Além de resumir, de certa forma, as escolhas técnicas do filme, o título também se mostra eficiente no assunto a ser abordado de forma objetiva, e ainda, subjetiva.

Neste filme, Scorsese retorna a temática religiosa ao contar a história de dois jovens padres jesuítas que viajam até o Japão na tentativa de resgatar seu mentor, o Padre Ferreira. O detalhe está na época em que a trama se passa: século 17, quando o catolicismo é banido do território japonês e seus fiéis, perseguidos. Mas, ao contrário do que possa parecer, a real questão do filme é interna e não externa. Trata-se de uma questão pessoal para o diretor e para os personagens, obviamente.

Andrew Garfield no filme “Silêncio”.

Em primeiro lugar, no caso de Scorsese, sua inclinação ao catolicismo pode ser notada na representação dos rituais religiosos apresentados no longa. Em cada um deles, o tempo parece seguir seu curso sem qualquer problema ou artifício. A sensação do “ritual” é levada a sério. Praticamente todo o filme é construído com som ambiente. Raros são os momentos, nos quais trilhas musicais invadem o contexto. Por isso, a já mencionada escolha técnica contribui para a dramatização “seca” do enredo, e ainda, otimiza o sentido dado ao título.

A questão interna, por outro lado, demanda um maior cuidado (ou silêncio) para ser ouvida. Ao longo da projeção, o padre Rodrigues — o protagonista — é obrigado a colocar sua em fé em cheque. O silêncio de Deus perante aos fatos contribui para um questionamento sobre si mesmo e suas crenças. Mesmo com o tema de perseguição — sempre atual — é justamente sobre a crise religiosa e interna que o filme se sustenta, criando uma relação nosso momento atual, na qual “novas religiões” surgem todos os dias, enquanto outras caem em descrédito.

O diretor Martin Scorsese no set de “Silêncio”.

Em segundo lugar, ao se tratar de ícones do cinema como Scorsese, temos a impressão de que não há nada a se dizer (Ou seja, ficando em silêncio). Contudo, se a premissa fosse verdadeira, este texto não faria o menor sentido. Embora as imagens sejam bem trabalhadas, em especial com os planos detalhe e o trabalho de som que proporciona a atmosfera ideal para o contexto, algumas vírgulas podem ser acrescentadas no caso de “Silêncio”. Um exemplo, seria na representação pouco sutil dos japoneses como “vilões” e no catolicismo como “vítima”, tal qual na questão linguística e étnica. Mesmo com o ótimo desempenho de Andrew Garfield, não passa batido o fato dele não ser (e não falar) português, ao contrário do Padre Rodrigues, seu personagem.

Cena do filme “Silêncio”

Som ambiente. Longa duração. Crise de fé. Insegurança. No final das contas, as pinceladas resultaram em um quadro que cumpre seu papel, mas com traços poucos marcantes. Talvez, por essa razão, “Silêncio” tenha feito menos barulho do que se esperava.

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