Tokyo Idols e a solidão japonesa
Num documentário por vezes emotivo e em outros momentos perturbador, Tokyo Idols retrata a vida de idols e fãs da cultura pop japonesa contemporânea e é centrado nas idols femininas, mais especificamente em Rio e seu fã-clube, o RioRio Brothers. O filme se preocupa em abordar diversos tópicos, como a cultura otaku, a diferença de idade entre as idols e seus fã-clubes majoritariamente compostos por homens, a bilionária indústria dos idols e os motivos para homens de meia-idade dedicarem suas vidas a meninas adolescentes em busca de um sonho.
A diretora Kyoko Miyake começa o filme com cenas de shows, meninas animadas em palcos pequenos e fãs alucinados que clamam pela atenção delas. Esses shows são seguidos por eventos de encontros com fãs, com apertos de mão cronometrados e fotos com as artistas. Tudo isso é inicialmente apresentado por um viés até positivo, mas vai se complexificando cada vez mais e apresenta todos os problemas que vão além do fato de homens bem mais velhos idolatrando meninas de 10 a 19 anos.
Esses problemas são aprofundados no caso do presidente do fã-clube de Rio, um senhor de 43 anos que largou o emprego e até aquele momento vivia para participar de shows dela, o que incluía organizar toda dinâmica do fã-clube, fazer projetos para os shows, participar dos eventos e gastar milhares de dólares nessa indústria. É curioso ver como ele lida com o fato de ser otaku e de ter plena noção do julgamento social em relação a isso e como mesmo assim, ele fazia por ser divertido. A cultura idol neste caso era vista como uma forma de escapismo da realidade competitiva japonesa e ao mesmo tempo o encorajava a mudar de vida.
O mais interessante do documentário é ver de fato o que a cultura idol representa para essas pessoas e até para Tóquio, que é explorada através de diversas cenas panorâmicas da cidade e muitas vezes dá a entender como ela é parte imprescindível da história. Em alguns momentos, fica claro como fazer parte de Tóquio significa estar de acordo com as expectativas da sociedade em relação a emprego, casamento e relacionamentos, e tudo isso é demonstrado como padrões que os otakus não conseguiram alcançar.
É a partir desse grupo de homens otakus, pessoas obcecadas pela cultura pop japonesa, que observamos como o documentário retrata muito mais do que a indústria, mas como ela se alimenta da solidão desses homens. Pelo fato de serem socialmente inadequados e pelas cobranças sociais japonesas não serem um incentivo para que eles busquem relacionamentos fora da comunidade do fã-clube, eles preferem acompanhar essas idols, que são treinadas para se mostrarem sempre felizes com aquelas trocas afetivas.
Momentos que sempre me agradavam eram quando a única mulher especialista no assunto (o documentário tem um caráter bem jornalista neste sentido, sempre apresentando uma figura de autoridade para explicar o que estava acontecendo) criticava o fato de serem homens velhos dando presentes e falando em relacionamentos amorosos impossíveis com meninas de idade para serem netas deles. Era sempre bom colocar esses momentos de bom-senso no meio dos depoimentos dos fãs que sempre tentam racionalizar o que eles sentem, muitas vezes retratando aquele sentimento pelas meninas como se eles fossem pais delas.
A única parte que senti ter faltado na obra é o que essas meninas sentem. Claro que elas são figuras públicas e não podem falar tão abertamente sobre o que incomoda, mas apenas falar como os fãs estão inseridos nisso por solidão e inaptidão social faz com que a narrativa delas continue rasa. Isso poderia ter sido retratado sem entrevistadas, mas citando como essas idols são proibidas de namorar e precisam manter a imagem pura e inocente, caso contrário não são benquistas pelos fãs.
Esta parte vai além do documentário, mas é impossível não pensar como elas também devem se sentir solitárias ao serem impedidas de terem relacionamentos românticos só para nutrirem fantasias de pureza e inocência de homens. Aliás, se grande parte dos fãs são homens com sentimentos paternais em relação às meninas e mesmo assim elas são proibidas de terem relações sexuais, só reforça o argumento de que essas idols são vistas como propriedade.
Em suma, Tokyo Idols se faz muito eficiente em traçar um panorama do que é a indústria idol e todos os problemas e benefício que ela traz, mas que ainda retratando idols femininas e a objetificação que elas sofrem, também não mostra o lado delas na história, assim como também não mostra a mulher enquanto consumidora dessa indústria.