Transgressão e provocação em Tatuagem, o filme.

Lorena Santiago
cinecríticauff
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3 min readOct 10, 2017

O filme Tatuagem foi lançado em 2013 no Festival do Rio, com direção e roteiro de Hilton Lacerda. Na época, o filme teve boa recepção do público e bastantes críticas positivas, todavia há apenas quatro anos desde o lançamento do filme no festival, encontramo-nos diante de outra atmosfera política no país. Tatuagem é um filme que serve para mostrar o quanto ainda persiste certa imaturidade intelectual nas discussões sociais e políticas que travamos cotidianamente.

Diante das últimas polêmicas acerca da nudez explícita em performances exibidas nos museus, é pertinente trazer o filme Tatuagem para a discussão, pois foi de forma natural e artística que Hilton Lacerda tratou do tema. Apesar da narrativa fílmica se ambientar em fins dos anos 70 (1978), quando a tomada do poder pelos militares caminhava para o seu esgotamento, é possível identificar algumas semelhanças com os dias atuais. Nos últimos dois meses, por exemplo, vimos obras de artes e performances artísticas sendo alvos de censura nos museus e centros culturais do país. Ainda um reflexo do pensamento conservador difundido nos anos que se seguiram ao golpe militar. Quando achávamos que já havíamos superado este debate, ele retorna como uma criança desobediente que costuma não ouvir nas primeiras vezes que se leva a bronca.

Precisei tomar uma dose de coragem para falar desse filme emblemático e extremamente provocativo nos seus discursos, muitas vezes poéticos e combativos, e nas suas imagens, “ousadas” como diriam os mais velhos. Ver a representação da sexualidade sendo tratada de forma explícita no filme, inicialmente, causou um choque e estranhamento no meu olhar de espectadora observadora na qual não está acostumada com cenas tão fortes e impactantes. A despeito da presença dos corpos nus ao longo do filme e um texto que faz uso da linguagem coloquial para expressar as falas e sentimentos dos personagens, não foram imagens sexualizadoras que encontrei ali no palco do teatro/cabaré do Chão de Estrelas ou na cena de sexo mais provocativa do casal protagonista da trama. Sinto que Tatuagem é um filme que brinca com a exposição dos corpos, de forma descontraída ele traz o olhar infantil para dentro da mise-en-scène, o olhar inocente que não objetifica nem sexualiza os corpos.

No filme também podemos observar a dualidade entre o poder repressor do exército, representado pelos conflitos em torno de Arlindo no quartel, e a vontade dos artistas da trupe anarquista Chão de Estrelas em transgredir os padrões normativos aceitos socialmente com o teatro, com suas performances provocativas e escandalosas. Gostei da junção que o diretor fez do teatro sendo representado no cinema, fazendo uso de uma metalinguagem para explicar linguagens diferentes que se complementam.

Me pergunto quando será que iremos nos deparar com a trupe Chão de Estrelas ao longo desses dias tristes e confusos na construção histórica da humanidade? Obscuros não, porque o pensamento dominante que corre não é escuro e sim branco, do branco que não quer ver seu projeto de dominação econômica, social e política mundial ir por água abaixo. O que nos resta é estarmos atentos aos fatos corriqueiros que acabam passando despercebidos, devido a tanta violação física e psíquica diária que já sofremos. Também assegurar-nos de que nossos direitos não estejam sendo violados por representantes fascistas, uma vez que não devem ter poder sobre os nossos corpos.

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Lorena Santiago
cinecríticauff

aspirante a ciborgue sobrenatural, nadando no oceano das incertezas absolutas das fadas helenísticas transcendentais