Valsa com Bashir — Uma narrativa sobre lembranças esquecidas

Luan Herdi
cinecríticauff
Published in
3 min readJan 18, 2018

20 anos depois da guerra do Líbano, um diretor e ex-combatente do exército israelita se dá conta que não tem nenhuma lembrança concreta do que aconteceu na guerra. Ari Folman, diretor e protagonista de Valsa com Bashir, resolve se encontrar com seus antigos companheiros de combate com o objetivo de reconstruir suas lembranças, resgatar o que havia vivido, e também entender o porquê não consegue se lembrar do que experienciou.

Ari Folman é diretor, protagonista e narrador de Valsa com Bashir.

Valsa com Bashir é uma animação em formato de documentário que foi lançada em 2008, chegou ao Brasil em 2009, ganhou o Prêmio Globo de Ouro e concorreu ao Oscar na categoria de melhor filme estrangeiro. Com uma apresentação desse porte presumimos que não nos faltam elogios ao filme de Folman, por isso gostaria de priorizar uma característica que é a que me chama mais atenção na obra: o fato do filme ser, a maior parte do tempo, uma animação. Estamos acostumados a assistir documentários que mesclam a imagem dos entrevistados com animações para elucidar do espectador, porém Valsa com Bashir inverte essa fórmula hegemônica.

Partindo do pressuposto narrativo de que o diretor Ari Folman não consegue se lembrar do que viveu na guerra, o que o leva a entrevistar seus companheiros como uma tentativa de reconstruir sua memória, a animação parece um recurso honesto e original, o que chega muito perto do ideal. Tratando-se do tema “memória”, o filme apresenta o conceito incorporando a forma fantástica e hiperbólica das lembranças. As animações reconstroem a guerra a partir de tudo que foi preenchido pela memória dos ex-combatentes, não se sabe ao certo o que é real ou verdade, até mesmo porque isso não parece ser o objetivo da narrativa. A animação não só cria uma atmosfera jovem no documentário, mas também serve como metalinguagem na criação de uma narrativa inspirada em lembranças esquecidas. Através dos desenhos de David Polonsky conseguimos visualizar a dor e sofrimento da guerra por um outro ângulo: as experiências dos soldados.

Após o lançamento do filme, em uma entrevista, Folman descreveu Valsa com Bashir como um filme “antiguerra”. Comparando-o com outros filmes de guerra (principalmente os americanos), também conseguimos captar a mensagem de como a guerra é cheia de sangue e tristeza. Porém, naquele que veste a farda existe um símbolo heróico, alguém que clama por justiça, liberdade e um mundo melhor. Em “Bashir”, os fardados são jovens de 19–20 anos que atiram como se o barulho das balas fosse sobrepor seus medos. A guerra cria enormes traumas, inclusive para os homens armados, traumas estes que se manifestam em sonhos e esquecimentos, e que perduram por toda vida simplesmente por terem conhecido a morte de tão perto e não terem ido com ela. Lembrando que aqueles jovens eram filhos e netos de uma geração que chegou a Israel fugindo da destruição nazista, o que mostra a força do significado da guerra para aqueles personagens.

Anteriormente disse que Valsa com Bashir invertia uma fórmula hegemônica documental, e ele o faz de uma maneira que dá mais liberdade e múltiplas-visões ao espectador. Após remontar toda a narrativa da guerra no Líbano juntando diferentes lembranças dos ex-combatentes, depoimentos de entrevistados (o que também é animado), após ter transmitido o que foi a guerra para ele e para aquelas pessoas que estavam com ele, Folman finalmente traz as imagens reais da guerra (que parecem ser jornalísticas). Essas imagens dialogam com o restante do filme, o que faz as animações se tornarem ainda mais reais.

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