The Rocky Horror Picture Show

A Contracultura vigente no filme mais bem-sucedido da história

Juliano Figueiredo
cinecríticauff
6 min readOct 16, 2017

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Ficha Técnica:

Gênero: Musical / Ficção Científica / Terror
Direção: Jim Sharman
Roteiro: Jim Sharman, Richard O’Brien
Elenco: Barry Bostwick, Jonathan Adams, Nell Campbell, Patricia Quinn, Peter Hinwood, Richard O’Brien, Susan Sarandon, Tim Curry
Produção: Michael White
Fotografia: Peter Suschitzky
Duração: 100 min.
Ano: 1975

The Rocky Horror Picture Show (1975) é a adaptação cinematográfica da peça musical The Rocky Horror Show de 1973 de autoria de Richard O’Brien, que foi co-roteirista do filme ao lado de Jim Sharman (que, além de roteirista, assumiu a direção do longa).

Brad (Barry Bostwick) e Janet (Susan Sarandon) são um jovem e belo casal americano clássico que se tornam noivos logo após o casamento de amigos. Muito felizes, decidem ir visitar o Dr. Everett Scott (Jonathan Adams) para dar-lhe a boa notícia e agradecer-lhe por tê-los apresentado. Entretanto, a caminho da cidade de Denton, em meio a uma tempestade, o pneu do carro fura e eles se veem obrigados a procurar ajuda num castelo com uma aparência nem um pouco atrativa, onde são recebidos por Riff Raff (Richard O’Brien), Magenta (Patricia Quinn) e Columbia (Nell Campbell), servos do excêntrico cientista Dr. Frank-N-Furter (Tim Curry), que os convida para seu laboratório para então testemunharem o “nascimento” de Rocky (Peter Hinwood), o “Homem Perfeito”, cuja principal finalidade seria “aliviar as tensões” do Dr. Frank.

Partindo de uma temática bastante utilizada nos filmes de ficção científica e terror — jovem casal de noivos tem problemas na estrada e procuram ajuda num castelo velho e sombrio onde são recepcionados por um serviçal pouco simpático e um anfitrião bastante excêntrico — , The Rocky Horror Picture Show faz uma referência satírica a diversos filmes da era Golden Age da ficção científica. Logo no início, durante a canção “Science Fiction/Double Feature”, já fica clara a referência direta a filmes como Drácula (1931), Frankenstein(1931), O Homem Invisível (1933), entre outros, além de diversas referências indiretas no decorrer da trama.

Apesar das diversas referências, o filme esbanja originalidade. O’Brien e Sharman conseguem encontrar um ponto de interseção entre a ficção científica, terror e musical, sem dar mais importância a um gênero do que o outro, fazendo uma experimentação bastante ousada para a época, mas que funcionou perfeitamente.

Aparentemente, a proposta do filme, ao fazer as referências, é homenagear uma era de filmes de ficção científica para enfim introduzir a nova era da ficção científica: a New Wave.

No roteiro original, a intenção era que o filme se passasse somente em preto e branco até que o Dr. Frank-N-Furter descesse do elevador e então, com um foco em seus lábios vermelhos, o filme se tornaria colorido. Tal recurso gráfico tornaria mais clara ainda a mudança do rumo do filme após a aparição da personagem de Tim Curry. A partir de tal aparição os elementos da New Wave se tornam mais claros: A temática abandona sua “inocência” inicial e passa a se tornar mais sexualizada, tanto nas roupas quanto na linguagem utilizada; o gênero das músicas deixa de se parecer com os musicais clássicos para se tornar algo mais ousado, com uma pegada Rock’n’Roll; até mesmo as personagens, Brad e Janet, antes um casal modelo clássico americano vão se transformando diante da presença do Dr. Frank.

A Contracultura, um movimento que surgiu na década de 1960 nos Estados Unidos, foi um forte fator na era New Wave da Ficção científica. Ela foi um movimento representativo da mentalidade da juventude da época (principalmente de classe média) que repudiava a cultura conservadora, repressiva, dominante na Golden Age. Então, utilizando desse “espírito de contestação”, os jovens romperam com suas famílias/estados/religião e com tudo que eles pregavam, como a ideia de “estudar, carreira, casar…” e o American Way of Life, e começaram a propagar a Contracultura, que se manifestou de diversas maneiras, principalmente através das artes.

Em RHPS (abreviação do nome do filme muito utilizada pelos fãs), pode-se ver vários exemplos dessa ruptura com a cultura dominante. O filme desafia todas as convenções sociais e, também, do cinema que eram pregadas. Iniciando já pelo hibridismo de gêneros — musical, terror e ficção científica — , que, aos moldes da cultura dominante, seria inviável. Os musicais não poderiam trazer tal temática: terror, ficção científica, sexo, Rock’n’Roll… Eles teriam que se passar em campos muito verdes, onde parecia que a felicidade era algo que estava logo ali, ao alcance da mão, era só ter esperança, dar um passo e começar a cantar uma música muito feliz e melodiosa que tudo ficaria bem.

A Noviça Rebelde (1965)

Com a música Over at the Frankenstein Place, uma música, a primeira vista, melodiosa e que supostamente representaria a esperança do casal em encontrar a ajuda de que precisam, bem aos moldes da cultura dominante (exceto pelos campos muito verdes), O’Brien e Sharman ironizam também essa ideia da felicidade e da esperança que estava sempre atrelada aos números musicais presentes nos antigos musicais. Over at the Frankenstein Place faz uma referência satírica a música Over The Rainbow, do filme O Mágico de Oz(1939).

De acordo com Fátima Régis no livro “Nós, Ciborgues: Tecnologias de Informação e subjetividade homem-máquina”, a Contracultura fornece a New Wave “elementos para uma postura mais engajada em relação às questões sociais e políticas.” (página 21). Visto por esse ângulo, apenas o fato de a protagonista ser “a sweet transvestite from Transexual, Transylvania”, que mais tarde no filme se revelariam, respectivamente, uma raça alienígena, um planeta e uma galaxia distantes, caracteriza uma importante crítica social. Estão presentes no filme também várias tiradas ironizando o ato de se casar, desafiando o estilo de vida ideal imposto pela Cultura Dominante, além de coisas não tão explícitas, mas igualmente grandes, como, por exemplo, o fato de o Dr. Frank estar produzindo “o homem perfeito” em laboratório e ele ser branco, loiro e musculoso, fazendo uma referência ao nazismo.

Dr. Frank e Rocky: “O criador e a criatura”

Semanas após ter sido lançado, o filme foi banido dos cinemas da África do Sul pelo Conselho de Censura local, o que impediu que o filme fosse visto por mais que 250 mil pessoas no país. Em contrapartida, RHPS, mesmo após mais de quarenta anos do seu lançamento, continua a ser exibido em cinemas na cidade de Nova Iorque (em sessões a meia noite onde as pessoas vão fantasiadas), Munique e Milão, além de sessões temáticas em diversos lugares do mundo, inclusive no Brasil, consagrando o filme como o mais bem-sucedido da história em termos de longevidade de exibição.

O filme é considerado cult hoje e, talvez por isso, faça tanto sucesso entre os jovens mesmo quarenta anos após sua primeira exibição. Mas claro, os números musicais energéticos, a precariedade intencional e não intencional do filme, a deturpação dos elementos cinematográficos e o fato de a história ser, para muitos, a primeira vista, sem sentido são fatores que contribuíram para que o filme e se tornasse tão popular entre a juventude da época e permanecesse assim até hoje.

As atuações são exageradas, as músicas são estridentes demais e os recursos gráficos são equivalentes aos das séries da MTV hoje em dia. Entretanto, mesmo sabendo-se que o filme teve baixo orçamento, é impossível acreditar que tais “erros” não são intencionais. Parece que O’Brien e Sharman queriam incomodar o expectador, romper com certos modelos que a industria cultural impunha sobre a sétima arte, pondo em prática esse “espírito de contestação” que, como prega a Contracultura, se manifesta contrariamente a cultura dominante. E, desta maneira, eles criaram uma espécie de identidade para sua obra. Um filme intencionalmente Trash.

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