Crítica: “Deixe Ela Entrar” (2008) *

Nathally Carvalho
Cinefilando
Published in
3 min readJun 30, 2017
Eli e Oskar — a solidão como atração fatal.

Difícil dizer quando os créditos sobem, qual é o gênero exato do filme dirigido por Tomas Alfredson; “Deixa Ela Entrar” (Låt den Rätte Komma In/Let the Right One In, Suécia, 2008) — adaptação de um romance do escritor e roteirista John Ajvide Lindqvist — conta a história bizarra e sombria de Oskar e Eli, dois pré-adolescentes que se envolvem e acabam descobrindo e compartilhando sentimentos e desejos.

Oskar (Kåre Hedebrant) é um menino solitario, que sofre de bullying na escola, e que frustrado com as humilhações, vive ensaiando uma revanche contra seus colegas de classe, mas que nunca consegue revidar e nem mesmo escapar dos maus tratos. Sua raiva e descontentamento são tantos que o pré-adolescente além de montar uma pasta com recortes de crimes macabros, também faz ensaios das lutas triunfantes que gostaria de ter com seus inimigos. É num desses ‘ensaios’ que ele conhece Eli (Lina Leandersson), sua nova vizinha um tanto quanto misteriosa. No primeiro encontro dos dois a menina de roupas simples (apesar do frio cortante de Estocolmo), cabelos sujos e desgredenhados recusa a amizade de Oskar; mas num segundo encontro — todos eles à noite — Eli, fica intrigada com o cubo-mágico que o menino traz consigo e nesse momento os dois começam uma amizade.

Tudo isso seria normal se não fosse o fato de Eli ser uma vampira! Mas isso não é o bastante para separar os dois, pelo contrário: solitários, os protagonistas descobrem e se entregam a uma amizade inesperada, que traz consigo sentimentos que começam a moldar a vida deles a partir daquele momento. Oskar se torna mais valente e com os conselhos de Eli, resolve revidar aos maus tratos que recebe na escola. Ela por sua vez, encontra em Oskar um amigo, um refugio da sua realidade tão horripilante e até certo ponto cruel: ela precisa de sangue, e mata pessoas para sobreviver.

O descobrimento da amizade e de seus segredos

É interessante como os personagens foram contruidos e como o roteiro foi escrito de moda a deixar no ar conclusões que devemos tirar sobre as histórias: Eli, uma vampira eternamente pré-adolescente, nos parece no primeiro momento frágil e triste, mas se revela sombria quando tem que cumprir sua trágica sina de tirar vidas para sobreviver, e fica claro que ela não gosta disso. Oskar por sua vez parece não se importar com a real natureza de Eli, mesmo a ‘menina’ lhe dando pistas cada vez mais contundentes de que não é humana. Mas isso não o incomoda: o mundo novo que ele conhece com ela (e através dela) ao mesmo tempo que o apavora, também o fascina.

Como toda história de horror, o filme é carregado de sangue, mas também é carregado de poesia e de incógnitas, e uma delas é o homem que vive com Eli: o senhor que serve a menina, indo à caça por ela passa uma ideia de paternidade em alguns momentos, mas em outros fica a dúvida de quem realmente é: um tutor, um pai ou teria sido ele um relacionamento antigo da menina, que por amor passou sua vida servindo à ela, e contemplando sua imortalidade?

Tomas Alfredson faz um filme que além de trazer consigo toda a temática mítica das histórias de vampiros — o nome do filme faz referência a mitologia que diz que os vampiros não podem entrar nas casas sem serem convidados -, traz também questões existenciais que afligem o mundo do pré-adolescente e posteriormente o mundo adulto. Num momento em que reinam filmes bobos sobre vampiros adolescentes, “Deixa Ela Entrar” se torna um clássico, ganhador de mais de 50 prêmios, e aclamado pelo mundo afora, deixando a sensação de que ainda existe esperança para o gênero. Ahhh o gênero…acho que o propósito era ser um filme de terror, mas a obra se tornou mais do que isso: é uma bela mistura de gêneros que definitivamente deu certo.

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*Este texto foi originalmente publicado no meu antigo blog (Blog da Nathy), no dia 04/11/2010.

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