A Jornada — O Espaço entre relações

Eva Green aparece como de costume em uma ótima performance

Título Original: Próxima
Direção: Alice Winocour
Roteiro: Alice Winocour, colaboração de Jean-Stéphane Bron
Elenco: Eva Green, Zélie Boulant, Matt Dillon
Gênero: Sci-Fi, Drama
Nacionalidade: França, Alemanha, EUA
Duração: 1h47min

Estréia: 19/03/2020

Como toda produção que dá certo, outras costumam aproveitar a onda. No momento, percebemos uma leva de filmes com a temática de viagens ao espaço. Nesse caso, porém, a temática é usada apenas de pano de fundo para um direcionamento de olhar bem diferente. Com Eva Green no elenco, qualquer produção já ganha um toque a mais, já que Green nunca decepciona com seu trabalho. Porém, ainda assim, surpreende. Em uma atuação realista e madura dentro de um universo intimista e sóbrio, porém recheado de sentimentalismo. O recorrente contraste entre o metódico perfeccionismo robótico e a melancolia do emocional, resulta em um drama equilibrado e ainda mais realista. Por esse motivo, sentimos muito do que se passa saindo pelas entrelinhas. Um motivo de encanto é o fato de que o tema da história não se prende ao espaço, mas sim a coisas palpáveis a todos nós: paralelo entre vida profissional e ser mãe/pai, os obstáculos dos preconceitos de gênero na vida profissional, os limites pessoais a serem ultrapassados.

O diferencial deste filme, então, acredito que seja o tema central. É, no fim das contas, um drama sobre o relacionamento entre mãe e filha, com a interferência da dicotomia carreira/maternidade. Por isso, inclusive, que o filme vem nos trazer uma visão coerente e sensata dessas dinâmicas em uma conjuntura social nova. Não aposta na abnegação de uma mãe que viva -exclusivamente- para ser mãe ao passo que não pesa na ideia de que é necessário abdicar da maternidade para se viver os sonhos de uma carreira. Assim a mãe (Eva Green) aparece como, simplesmente, um ser humano como qualquer outro.

O filme perpassa por questões como o preconceito e a desigualdade de gênero no ambiente profissional, sobretudo em espaços ainda mais hostis e fechados às mulheres, como é o caso do campo das ciências exatas e de funções que exijam alto nível preparação física. Isso, porém, não nos é passado como uma dualidade de protagonista e vilão. Apesar de, inevitavelmente, despertar esse sentimento na gente de que aqueles homens possuem uma postura basbaque, preconceituosa e nociva, não aponta dedos e culpados, mas simplesmente apresenta a realidade do ambiente tal como é. E, assim, expõe o esforço dobrado da protagonista para se manter e ser respeitada nesse universo, não importando quão igualmente qualificada (ou mais) ela claramente seja.

E é nesse cosmo que roteiro, enquadramentos e palheta de cores se comunicam muito bem. O cinza e azul dominam praticamente todas as cenas e uma “combinação monocromática”, estabelecendo a personalidade racional e disciplinada da protagonista, apostando em formas retas a sua volta, como tudo em sua vida, metodicamente planejada, desde o comprometimento exemplar com os objetivos profissionais até a própria rotina com a filha. Os enquadramentos fechados criam mais ainda sensação de foco absoluto, um mundo que se resume aquele universo. Os simbolismos, apesar de óbvios, não chegam a cair (sempre) no clichê. Com destaque para a cena do Tristão que é óbvia e já vimos incontáveis vezes, mas é bonita.

A interpretação da atriz mirim mostra que podemos esperar um novo talento por aí. Eficaz em demonstrar o conflito interno de uma criança que se sente confinada no mundo fechado da profissão de seus pais e a grande paixão de ambos pela mesma área, de forma que até os armários da cozinha, o ambiente doméstico, são espaço para contas e anotações astrofísicas. Em adicional, a menina sente uma obrigação em ter as mesmas aptidões, cobrada, inclusive, pelo pai. O momento em que a mãe se ausenta por essa paixão, essa insegurança se intensifica. Outro nome forte no elenco é Matt Dillon que aparece, como o usual, muito bem.