Clássicos inovadores: Cidadão Kane
“Nenhuma palavra pode explicar o destino de um homem”
Rosebud!
A história do magnata Charles Foster Kane em Cidadão Kane (1941) foi o primeiro trabalho do radialista, escritor, ator, maquiador, diretor de teatro, pintor, mágico e diretor Orson Welles, à época com 25 anos de idade, sem nunca ter estudado ou feito cinema. Subestimado em seu tempo, é considerado hoje como uma das mais importantes obras cinematográficas já produzidas pela academia. O filme se destaca pelo conjunto de revolucionários elementos para o padrões da época, que se distinguiam do formato da Hollywood clássica, marcando o começo do cinema moderno.
O que fez de Cidadão Kane um exemplo de inovação cinematográfica não são propriamente as técnicas utilizadas — todas elas já haviam sido inventadas isoladamente por diretores anteriores e amplamente utilizadas por tantos outros — mas a inovação surge da forma em que essas técnicas foram usadas. É a sistematização dessas ferramentas, criativa e originalmente articularas de forma a gerar uma narrativa ousada e transformadora. Dessa forma, percebemos também que o que o a torna interessante não é a história em si (“a coisa” da narração), mas como ela é contada.
Os jogos de luz e sombra se destacam, trazendo características do estilo noir das obras de seu tempo. A profundidade das cenas, os ângulos baixos (as vezes era feito um buraco no chão para a câmera) enalteciam ou apequenavam os personagens de acordo com a necessidade narrativa, atribuindo mais intensidade e imersão à experiencia do espectador. Essas escolhas técnicas eram inovadoras para o momento. Tais feitos também eram possíveis devido a grande quantidade de recursos disponíveis para a produção, e Welles contava com muita liberdade criativa, inclusive o tão cobiçado corte final, não tinha a limitação imposta pela indústria. Também escolheu uma equipe de grandes talentos, como o roteirista Herman J. Mankiewicz (O Mágico de Oz, 1939).
Os takes mais longos abriam um leque maior de possibilidades ao ampliar o espaço fílmico, o que propiciava um campo frutífero para a inventividade. A montagem também se sobressai nas mãos do competente Robert Wise. Um exemplo bem claro são as cenas que mostram o fracassos dos relacionamentos de Kane: o mesmo cenário e a mesma atividade do personagem e de sua esposa são filmados em dois takes diferentes — com a diferença de que em um ambos estão felizes e em sintonia, ao passo que no outro ambos estão infelizes e desconectados. Essa escolha reitera a percepção da mudança no relacionamento.
Orson Welles definitivamente é um dos nomes mais significativos para quem ama a sétima arte, e nos deixou um presente rico. Existem várias formas de se fazer cinema, não sendo estabelecido nenhum caminho ideal ou regras prontas. São dessas aventuras em inventar, descobrir e reinventar que o cinema se constrói e se aperfeiçoa e nos oferece obras memoráveis.