Clássicos inovadores: Cidadão Kane

“Nenhuma palavra pode explicar o destino de um homem”

Giovanna Perroni
Cinema e Cerveja
3 min readMay 3, 2020

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Rosebud!

A história do magnata Charles Foster Kane em Cidadão Kane (1941) foi o primeiro trabalho do radialista, escritor, ator, maquiador, diretor de teatro, pintor, mágico e diretor Orson Welles, à época com 25 anos de idade, sem nunca ter estudado ou feito cinema. Subestimado em seu tempo, é considerado hoje como uma das mais importantes obras cinematográficas já produzidas pela academia. O filme se destaca pelo conjunto de revolucionários elementos para o padrões da época, que se distinguiam do formato da Hollywood clássica, marcando o começo do cinema moderno.

O que fez de Cidadão Kane um exemplo de inovação cinematográfica não são propriamente as técnicas utilizadas — todas elas já haviam sido inventadas isoladamente por diretores anteriores e amplamente utilizadas por tantos outros — mas a inovação surge da forma em que essas técnicas foram usadas. É a sistematização dessas ferramentas, criativa e originalmente articularas de forma a gerar uma narrativa ousada e transformadora. Dessa forma, percebemos também que o que o a torna interessante não é a história em si (“a coisa” da narração), mas como ela é contada.

Contra-pongée ou câmera baixa

Os jogos de luz e sombra se destacam, trazendo características do estilo noir das obras de seu tempo. A profundidade das cenas, os ângulos baixos (as vezes era feito um buraco no chão para a câmera) enalteciam ou apequenavam os personagens de acordo com a necessidade narrativa, atribuindo mais intensidade e imersão à experiencia do espectador. Essas escolhas técnicas eram inovadoras para o momento. Tais feitos também eram possíveis devido a grande quantidade de recursos disponíveis para a produção, e Welles contava com muita liberdade criativa, inclusive o tão cobiçado corte final, não tinha a limitação imposta pela indústria. Também escolheu uma equipe de grandes talentos, como o roteirista Herman J. Mankiewicz (O Mágico de Oz, 1939).

Exemplo de profundidade de campo utilizada por Welles em “Cidadão Kane” (1941)

Os takes mais longos abriam um leque maior de possibilidades ao ampliar o espaço fílmico, o que propiciava um campo frutífero para a inventividade. A montagem também se sobressai nas mãos do competente Robert Wise. Um exemplo bem claro são as cenas que mostram o fracassos dos relacionamentos de Kane: o mesmo cenário e a mesma atividade do personagem e de sua esposa são filmados em dois takes diferentes — com a diferença de que em um ambos estão felizes e em sintonia, ao passo que no outro ambos estão infelizes e desconectados. Essa escolha reitera a percepção da mudança no relacionamento.

Orson Welles definitivamente é um dos nomes mais significativos para quem ama a sétima arte, e nos deixou um presente rico. Existem várias formas de se fazer cinema, não sendo estabelecido nenhum caminho ideal ou regras prontas. São dessas aventuras em inventar, descobrir e reinventar que o cinema se constrói e se aperfeiçoa e nos oferece obras memoráveis.

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