Liga da Justiça — A perda de personalidade

Filme é acessível, mas abandona a originalidade de seus antecessores

Milton Ramos Guimaraes
Cinema e Cerveja
7 min readNov 15, 2017

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Título Original: Justice League
Direção:
Zack Snyder
Roteiro: Chris Terrio, Joss Whedon
Elenco: Ben Affleck, Henry Cavill, Gal Gadot, Ezra Miller, Jason Momoa, Ray Fisher
País: Estados Unidos
Duração: 120 min
Estreia: 16/11/2017

Hollywood sofre com um problema sério de repetição de fórmulas. Quando existe um filme de um determinado gênero que consegue ter bom faturamento, outras produtoras tendem a seguir a mesma estrutura em seus projetos, criando um mercado sem novas visões e com pouca inovação. No caso das adaptações de quadrinhos, a Marvel conseguiu estabelecer o padrão quando começou seu universo cinematográfico em 2008 com “Homem de Ferro”. Era tudo novo, empolgante e, no início, bem construído. Filmes de super-heróis já existiam, mas a noção de universo compartilhado, pelo menos no cinema, ainda era muito nova.

Estúdios que já tinham experiência em trazer personagens e histórias famosas de quadrinhos começaram a adotar o conceito, criando narrativas que se interligavam e preparavam o espectador para o próximo longa de equipe. Aconteceu com “X-men”, com “Homem-Aranha” e até mesmo em “Transformers”. A Warner Bros., detentora dos direitos da DC nos cinemas, ainda estava preocupada em finalizar a aclamada trilogia do “Cavaleiro das Trevas”, de Christopher Nolan, quando a moda de universos compartilhados começou. A visão do diretor para o Batman era única e, até aquele momento, inovadora. Colocar um herói em uma trama policial se mostrou um grande acerto da equipe. Nolan é um diretor com assinatura marcante e autoral. Isso é evidente em seus trabalhos, independente da qualidade.

A Warner decidiu que, depois da trilogia do morcego, começaria seu próprio universo cinematográfico, com os heróis mais populares do mercado. Seguindo na onda de chamar um diretor com assinatura marcante e partindo para o segundo personagem mais popular da editora DC, a nova versão do Superman chegou aos cinemas pelas mãos do visionário Zack Snyder, o qual já tinha duas adaptações de quadrinhos em sua filmografia, sendo elas “300” e “Watchmen”.

Amado e odiado, o longa apresentava um Clark Kent/Kal-El tentando descobrir seu verdadeiro significado no mundo. Crises existenciais e a descoberta de um significado pautavam a narrativa, rendendo um longa mais contemplativo em seus dois primeiros atos. A famosa e polêmica sequência final, a qual Superman enfrenta o General Zod, sofreu severas críticas por parte do público e da crítica. Uma coisa é certa, a visão do diretor para o personagem era nova, e seu estilo visual o diferenciava de outras produções do mesmo gênero que já começavam a se tornar genéricas e sem impacto.

O caminho começado por “O Homem de Aço” não foi dos melhores, mas o personagem havia sido estabelecido e um universo coeso e interessante poderia ser construído a partir dali. “Batman vs Superman: A Origem da Justiça” talvez seja, dentro dos filmes de super-heróis, o mais polêmico e divisor de opiniões. Nele, Zack Snyder assume o lado sombrio do universo DC, trazendo um Superman desacreditado na humanidade e um Batman violento e agressivo, que não demonstra compaixão por seus inimigos e, além de tudo, usa armas de fogo e mata a sangue frio.

A abordagem é interessante e bem executada, mas, infelizmente, o diretor não consegue segurar seus impulsos e coloca uma batalha grandiosa no final, com direito a Apocalypse, Mulher-Maravilha e à morte do Superman. Escolhas erradas em uma obra que deveria focar naquilo que é prometido no título. Apesar dos erros, o roteiro consegue trabalhar o conflito de ideologias dos personagens de maneira satisfatória, além de trazer ótimas referências ao seu principal material fonte, a graphic novel “O Cavaleiro das Trevas”, de Frank Miller, a quem Zack Snyder demostra grande respeito.

Em uma tentativa de resgatar o otimismo do universo DC, a diretora Patty Jenkins foi escalada para comandar o filme solo da amazona mais querida da cultura pop. “Mulher-Maravilha” veio para tirar o gosto amargo que o longa anterior deixou na boca de alguns espectadores. O filme é acessível e aprofunda a personalidade da heroína de forma exemplar. O último ato apresenta problemas grosseiros, mas não prejudica o resto da obra. A Warner parecia finalmente ter encontrado um caminho definitivo para os seus projetos.

“Liga da Justiça” chega com a responsabilidade de ser o filme que iria deixar todo o passado sombrio de lado, com a introdução de novos e interessantes heróis que todo jovem e adulto sonhou em ver na tela do cinema. O otimismo e as piadas, características do estúdio concorrente, estão lá. A paleta de cores mais clara dá um ar feliz ao universo, que antigamente era escuro e sombrio. A trilha sonora apresenta ritmos simples e genéricos, que acompanham cenas de ação pouco inspiradas e com efeitos especiais medíocres. A falta de peso nos acontecimentos e os personagens rasos, além de um trabalho técnico que não transmite toda a grandiosidade dos heróis, transformam o tão aguardado longa da equipe em um trabalho esquecível.

O início da projeção é empolgante. Somos apresentados a um mundo sem o Superman, em que a desigualdade e os crimes reinam. A falta de esperança é evidente. Relacionar o caos em que o mundo se encontra com a ausência de um ser que foi tratado como divino nos filmes anteriores é uma sacada inteligente. Vemos que isso ainda faz parte da visão do diretor Zack Snyder. A interferência de Joss Whedon, diretor que substituiu Snyder depois que este sofreu uma tragédia familiar, pode ser percebida com mais clareza no final do primeiro ato, exatamente quando o filme começa a desandar.

A união dos heróis é divertida e, mesmo com erros aqui e ali, funciona. A interação entre eles é natural e rende momentos engraçados e interessantes. O excesso de piadas prejudica grande parte dos momentos mais sérios da história, coisa que vem acontecendo nas produções da Marvel. O pior resultado disso é o Batman, personagem atormentado e com histórico de transtornos psicológicos, fazendo piada e servindo como um Tony Stark da DC. A mudança na personalidade do morcego reflete todos os problemas de alteração de tom pelo qual a obra passou. Os roteiristas ignoram todo o desenvolvimento construído anteriormente para deixar tudo digerível para o grande público.

A parte técnica é medíocre e as atuações, muitas vezes forçadas, comprometem momentos chave. Os efeitos visuais variam entre medianos e ruins, com cenas claramente mais bem produzidas, talvez por fazerem parte do primeiro corte, e outras com computação gráfica falsa e esteticamente estranha. A trilha sonora, composta por Danny Elfman, é sem vida e não empolga em nenhum momento. Trocar as batidas épicas de Hans Zimmer por músicas genéricas foi um dos maiores erros da produção.

A estrutura, a montagem e o desenvolvimento dos personagens lembram “Esquadrão Suicida”, por incrível que pareça. Aqui, eles repetem os mesmos erros vistos no longa da equipe de vilões. Personalidades mal desenvolvidas, principalmente a do Cyborg, que nos dois primeiros atos não é satisfeito com a sua condição, porém no final está sorrindo e comemorando, como se o seu estado não importasse mais. Grande parte disso se deve aos cortes feitos durante as refilmagens. Fica claro que sequências que eram fundamentais para a trama foram excluídas.

Cuidado, spoilers nos próximos parágrafos!

A volta do Superman é digna de risadas. O desenvolvimento necessário para o o momento não acontece, a situação carece de emoção e não consegue ser memorável. O roteiro tenta criar um embate entre o Clark e a Liga, já que ele volta confuso e agressivo, que não funciona. A única parte interessante da cena é mostrar que o Superman é mais rápido que o Flash, e mesmo quando o diretor apresenta isso, falta empolgação na sequência.

Em uma cena de luta envolvendo as Amazonas e o Lobo da Estepe, principal vilão do filme, os Lanternas Verdes são apresentados pela primeira vez no universo cinematográfico da DC. É empolgante e me pegou de surpresa. Talvez seja a única sequência decente de ação em toda a projeção.

Existem duas cenas pós-créditos. A primeira é descompromissada e apresenta o Flash e o Superman se preparando para disputar uma corrida. É divertida, mas extremamente mal executada. A segunda mostra o vilão Lex Luthor se encontrando com o Exterminador, conversando sobre criar uma Liga do mal. Proposta interessante, que faz referência ao grupo Legião do Mal.

Fim dos spoilers!

“Liga da Justiça” sofre com a perda da assinatura de seu realizador, Zack Snyder. O filme segue a fórmula desgastada encontrada em produções de heróis recentes e não inova em nenhum aspecto. A falta de peso dos acontecimentos e a mudança de tom comprometem a história e o seus personagens. Cenas de ação pouco memoráveis e a trilha sonora sem vida afundam uma obra que merecia ser épica. É realmente uma injustiça.

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