Diferentes intensidades de amargor na harmonização

Douglas DME
Cinema e Cerveja
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2 min readNov 14, 2017

Em uma das aulas dos últimos cursos que ministrei propus para a turma uma reflexão sobre historicamente nosso paladar brasileiro não ser acostumado a presença do amargor. Quando gripados éramos medicados com xaropes aromatizados (morango, cereja…), o lanche era acompanhado pelo famoso nesquick de morango e tínhamos a lancheira recheada de doces. Dentre outras razões fica claro porque a reação mais comum ao primeiro gole de cerveja na vida ser: Noh, que amargo!

Com o passar do tempo nos acostumamos com cervejas que possuem baixo amargor, numa escala de 10–16 IBU. Passado mais um período começamos a degustar cervejas na faixa de 35–40 IBU e finalmente chegamos aos +70 IBU. Trabalhar esses valores em nosso favor na relação de cerveja à mesa é um exercício muito interessante.

O prato que escolhi foi o Fetuccine Alfredo, clássico (água, manteiga, sal, parmesão, toques de tomilho, cominho e noz moscada). De forma geral harmonização com massa pede muita atenção com a textura da massa e ao molho. Nesse caso o prato comportou boa carga de aromas e sabores provenientes da cerveja.

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Em um primeiro momento a escolha foi a Bierland Vienna, estilo que sempre cito como boa opção para esse tipo de prato por conta do carga levemente frutada, nuances tostadas e toques elegantes de lúpulo. Na boca os 37 IBU parecem incomodar paladares ainda não acostumados com esse universo das craft beers mais lupuladas, contudo logo foi posssível notar que a média presença de amargor foi o elemento necessário para cortar o sal do parmesão e proporcionar uma doçura rápida e residual para trazer mais complexidade ao retrogosto do prato. Em seguida fizemos a “desconstrução”. Quando analisamos harmonização não bastam exemplos que sempre alcancem o objetivo, é necessário ir no caminho contrário. Na segunda rodada o prato foi harmonizado com uma… imperial ipa! E aí sim ficou notável que os 37 ibu de uma vienna foram médios e bem equilibrados em comparação com a 1000 IBU da Invicta, com sensação que certamente ultrapassa os 80 IBU. Embora Double IPA apresente dulçor residual, o amargor intenso, crescente e persistente sobrepôs totalmente os sabor do macarrão, não deixando que nem a untuosidade e nem os condimentos tivessem destaque, restando camadas de rápido dulçor e amargor. Com isso deixo a reflexão da complexidade que as unidades de IBU, corpo, textura e todo o conjunto que uma cerveja podem proporcionar com suas respectivas intensidades. O exercício quando segue o “vai, não vai, contribui, não acrescenta” costuma ser eficaz quando vamos executar harmonizações.

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Douglas DME
Cinema e Cerveja

Beer Sommelier Senac/Doemens Akademie e ICB/ABS/ASI. Tecnologia Cervejeira Avançada Vassouras-RJ. Prof. Consultor Senac. instagram.com/douglas.dme