Joias Brutas coloca Adam Sandler no submundo das apostas

É hora de uma nova história para o submundo dos irmãos Safdie

Nova York pode ser vista como o cenário perfeito em romances e filmes de super-heróis, seja como o palco ideal para as cafeterias mais chiques ou também ruas destruídas em batalhas contra alienígenas. Já para Benny e Josh — os irmãos Safdie — o grande espetáculo acontece nos subúrbios, nas ruas soturnas e no submundo yankee.

Se em Good Time, a dupla deu a Robert Pattinson uma oportunidade de vestir a manta de visceralidade e usar o papel de junkie para — pelo menos aos olhos do grande público — ganhar respeito, é a vez de Adam Sandler existir dentro de um mundo no qual ninguém nunca iria imaginá-lo. A dupla de diretores apresenta Joias Brutas (Uncut Gems), o novo thriller da deep Nova York que traz o famoso ator como Howard Ratner, trambiqueiro e viciado em apostas.

Howard Ratner (Sandler) tem 48 anos, é judeu, pai de família e dono da joalheria KMH. Os primeiros minutos do longa já fazem graça com essa história de nicho, que passa pelas ruas soturnas de NY da mesma forma que um exame endoscópico no reto de Howie. Logo na abertura, a sequência da joalheria é caótica e barulhenta espantando quem não conhece o cinema dos irmãos, mas não questione a mixagem porque a barulheira é típica e vem dos sintetizadores de Oneohtrix Point Never, agregando ao clima ludibrioso do lugar.

Seu chamariz são os relógios, os colares e joias que se encontram nas vitrines, além do velho conhecido Demany (Lakeith Stanfield), rapaz encarregado em levar novos clientes para Howard e acaba recebendo parte do lucro. Um deles é Kevin Garnett, o famoso ex-jogador de basquete — vivendo ele mesmo — algo que ilustra algum período de 2012 em que disputava partidas pela NBA e aqui encontrou-se numa fixação pela rocha de Howard, a ponto de ser mais um devoto ao mineral etiópio.

Do junkie ao jewish: yankee é yankee

Para a dupla de diretores, esse ambiente é habitual. O já conhecido submundo de NY não surgiu com os irmãos, mas dessa vez é protagonizado pela comunidade judaica. O comerciante entre a cruz e espada, orações e reuniões familiares, esposa e filhos que dependem. Uma casa que desmorona a medida em que Howie coloca sua vida pela rocha etiópia e desafia agiotas como se fosse mais um dia qualquer fazendo parte de sua rotina.

Benny e Josh trabalham no roteiro há uma década, inclusive afirmaram que o papel foi concebido para Sandler desde o começo e isso não deve surpreender ninguém pelas semelhanças óbvias entre Howard e o ator conhecido por interpretar losers, mas aqui é onde encontra-se a graça de ver Adam Sandler atuar: viver o comum, aquele arquétipo que qualquer um bate o olho e reconhece.

É certo dizer que com o passar dos anos terá um charme de época ao vermos Sandler conversar com o filho por uma tela de iphone 4, tentar bancar o pai presente logo quando sua filha está em ligação e trocar mensagens com a amante. Tudo ali é em segundo plano, a portabilidade é uma graça, mas para Howie, independente de qualquer coisa, nada disso vem primeiro.

Totalmente Safdie

Sem qualquer segredo, saber que as vezes a melhor coisa na ficção é ter noção de que o enquadramento pode ser uma janela em que a arte do não-dito se executa da forma mais transparente possível e bem.. é nisso que os irmãos Safdie se saem tão bem.

Se Uncut Gems fosse um submundo de rede social, iria se assemelhar aos comerciantes do Mercado Livre, os perfis que têm seu ganha devido as plataformas e as inesperadas ofertas e vendas que aparecem no Facebook dia sim ou dia não. Sabemos que nem é preciso cavucar muito para saber que ali tudo gira da forma mais rápida possível — e que pode ou não existir uma história por trás de cada anúncio.