Crítica | Aftersun

Charlotte Wells estreia com o pé direito na direção de longa-metragens

Felipe Storino
Cinema & Outras Drogas
3 min readJan 12, 2024

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Uma coisa que eu gosto de fazer na hora de escolher um filme desconhecido para assistir é olhar apenas o pôster e os nomes dos envolvidos na produção. Nada de ler sinopse ou alguma crítica. É uma maneira não apenas de ser surpreendido ao longo do caminho, mas também de não ficar criando expectativas. E que bom que eu fiz isso ao assistir o belíssimo Aftersun, longa-metragem de estreia da diretoria Charlotte Wells.

A história do filme é aparentemente simples, mostrando um homem chamado Calum (Paul Mescal) indo passar as férias com a filha Sophie (Frankie Corio) na Turquia, mas conforme o tempo passa percebemos que existe muito mais no que está sendo contado a princípio. O começo já é intrigante, mostrando uma Sophie já adulta (Celia Rowlson-Hall) chegando numa espécie de rave, em um local totalmente escuro e iluminado aqui e ali por luzes brancas piscantes. Uma cena que se repete em certos momentos do filme e que só vai fazer sentido de verdade quando a obra se aproxima do final. A partir daí, passamos a acompanhar as lembranças dela na época em que tinha 11 anos e fez a tal viagem para a Turquia com o pai.

Contando com algumas imagens de gravações caseiras que pai e filha fazem durante as férias, fica claro que o que estamos acompanhando são as lembranças de Sophie enquanto a mesma assiste os vídeos. Assim, é interessante notar como mesmo os momentos mais felizes da viagem estão sempre rodeados por uma certa melancolia, uma saudade de tempos mais simples e felizes. E toda essa sensação se deve à habilidade da diretora Charlotte Wells. Em vários momentos, por exemplo, ela se detém por vários segundos em coisas simples, como um close no cabelo de uma pessoa ou em Calum fumando na varanda. Pensando nas nossas próprias experiências quando estamos perdidos na estrada das lembranças, sempre existe aquela cena específica em que ficamos mais tempo pensando.

Ainda falando sobre a direção do filme, também é interessante notar como as cenas em que Calum está sozinho possuem um tom levemente diferente do resto do filme, às vezes mais lúdico, às vezes mais sombrio. Isso se deve ao fato de que vemos tudo pelos olhos da Sophie. Se ela não estava presente em determinado momento, então cabe à personagem preencher as lacunas com o que ela imagina que possa ter acontecido.

Além da direção precisa, o filme conta ainda com uma atuação excelente de Paul Mescal, que nos apresenta um Calum cheio de vida e alegria ao mesmo tempo em que também possui uma tristeza quase palpável. Através de pequenas mudanças no tom de voz e nos olhares do personagem, vamos entendendo aos poucos o clima de melancolia que permeia todo o filme. A cena em que a jovem Sophie fala, com naturalidade, sobre algo que está sentindo e o pai percebe que a filha provavelmente também possui as mesmas angústias que ele é de partir o coração. Aftersun ainda nos presenteia com momentos tocantes e que mostram o quanto Sophie confia e ama o pai, como a cena em que ela conta sobre ter beijado um menino pela primeira vez.

Eu gostaria de falar muito mais sobre o filme, mas qualquer coisa além disso poderia estragar a experiência de quem ainda não assistiu. Aftersun é um daqueles filmes que são muito melhor apreciados quando se sabe pouco sobre ele. Basta saber que quando chegamos ao fim e entendemos tudo o que aconteceu (incluindo aí aquela cena inicial numa rave), passamos a enxergar os acontecimentos do filme com outros olhos. Exatamente como a Sophie adulta está fazendo ao assistir os vídeos do passado, uma época em que a Sophie criança não entendia completamente a realidade ao seu redor.

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Felipe Storino
Cinema & Outras Drogas

Redator de cinema, gibis e games na Mob Ground. Quando não está jogando, está assistindo filmes, séries ou lendo gibizinhos.