O problemático desfecho de Final Fantasy VII Rebirth

Jogo erra justamente onde não podia errar

Felipe Storino
Cinema & Outras Drogas
5 min readApr 5, 2024

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Capa de Final Fantasy VII Rebirth, com Cloud do lado esquerdo, Sephiroth centralizado e Zack no lado direito.

O Final Fantasy VII original, lançado em 1997 para o primeiro PlayStation, é provavelmente o meu jogo preferido. Ele foi meu primeiro contato com o gênero de RPG japonês (JRPG) e com uma história e personagens complexos. A morte da Aerith (Aeris na tradução da época) foi chocante, eu nunca tinha visto uma personagem principal morrer e continuar morta. Durante anos eu sonhei com um remake com gráficos mais modernos, algo que finalmente se concretizou em 2020, quando a Square Enix lançou Final Fantasy VII Remake. Eu adorei o jogo e fiquei empolgado com aquele final em que os personagens derrotaram os guardiões do destino e abriram a possibilidade para que qualquer coisa acontecesse na sequência. Porém, isso claramente criou um problema para a própria Square Enix, afinal, os fãs só conseguiam se perguntar “será que a Aerith vai sobreviver na nova versão?”. E a própria empresa jogou com essa expectativa durante toda a campanha de marketing de Final Fantasy VII Rebirth.

Minha maior curiosidade com esta sequência era justamente ver quais mudanças seriam feitas em relação ao jogo original. Mas, no fim das contas, ele segue (e melhora) praticamente todos os eventos de 1997, com exceção dos seus momentos finais. E é aí que o jogo tropeça feio. Depois de um penúltimo capítulo irretocável, com momentos emocionantes que melhoraram e muito os eventos do jogo original e me arrancaram lágrimas, o capítulo final foi um tanto decepcionante. Com o objetivo de surpreender os jogadores a qualquer custo, a Square apresenta um final confuso e que tenta surpreender e agradar a todos os fãs, tanto novos quanto antigos. Mas o resultado final simplesmente tira todo o impacto da cena mais importante da história do jogo: a morte da Aerith.

Cloud segura Aerith morta em seus braços. Ao fundo Sephiroth está de costas.

Quem jogou o primeiro Final Fantasy VII sabe que a morte da personagem é crucial para o desenrolar da história. Falando de forma bem simplória, é a morte da Aerith que no fim de tudo possibilita a salvação do planeta. O espírito dela, unido à energia vital do planeta, consegue ativar a magia que impede o meteoro invocado pelo vilão Sephiroth. Porém, não é apenas isso que torna marcante este acontecimento, mas o modo como ele é construído. Na sequência da morte da personagem, enquanto Sephiroth comemora o seu feito, Cloud manda o vilão calar a boca e faz um discurso emocionante, dizendo que nada mais importa: “O ciclo da natureza e seu plano estúpido não significam nada. Aerith se foi. Aerith não vai mais falar, não vai rir, chorar…ou ficar com raiva”. Teria sido maravilhoso finalmente ver este diálogo com as vozes dos personagens e não apenas texto, mas todo esse momento dramático simplesmente se perdeu na nova versão.

Utilizando o conceito de multiverso e realidades paralelas, Final Fantasy VII Rebirth tenta a todo momento deixar o jogador tão confuso quanto o protagonista Cloud. Em vez de mostrar a morte da Aerith, o jogo fica intercalando cenas da realidade principal, onde ela morreu, e da realidade onde Cloud a salvou (supostamente). A impressão é que os desenvolvedores não tiveram coragem de deixar Aerith viva e acabar desagradando os fãs do original, mas, ao mesmo tempo, eles tinham criado para si a obrigação de apresentar algo inédito depois dos eventos de Final Fantasy VII Remake. O resultado é algo que fica no meio do caminho, sem conseguir inovar completamente, mas também sem conseguir transmitir a mesma emoção que o jogo original transmitia com muito menos tecnologia disponível. Além disso, por despejar muita informação em tão pouco tempo, o jogo acaba criando momentos desnecessariamente confusos. E não digo isso apenas por ser fã do original. Apesar de achar a morte da Aerith realmente necessária para a história, eu preferia que tivessem deixado ela viva na nova versão, em vez desse meio termo confuso.

Cloud e Aerith um de costas pro outro, cercados por murmúrios brancos.
Morreu, mas passa bem

Outro problema é que o Rebirth também não dá tempo para o próprio jogador digerir a morte (ou não) da Aerith e outras informações que são jogadas na nossa cara. No jogo original, após a morte da personagem, Cloud e o resto do grupo enfrentam um chefe enquanto a música tema da Aerith toca ao fundo, quase como um lamento pela morte. A batalha dura poucos minutos e, assim que o confronto se encerra, temos uma cena belíssima de Cloud colocando o corpo de Aerith no lago e ela afundando lentamente. Já na nova versão o que temos é uma batalha extremamente longa, que não deixa o jogador nem ao menos pensar sobre o que acabou de presenciar. Além disso, durante a batalha, mais informações sobre o tal multiverso vão sendo despejadas, com direito a Aerith (morta ou de outra realidade) ajudando Cloud em uma das batalhas. Com tudo isso, a Square Enix simplesmente tirou todo o peso de um dos momentos mais importantes da história de Final Fantasy VII. Pode ser que o terceiro jogo do projeto Remake me faça mudar de ideia sobre este final, mas por enquanto a sensação é de que poderia ter sido muito mais. Até porque tudo o que veio antes desse momento é excelente.

Porém, apesar de tudo escrito até aqui, ainda considero Final Fantasy VII Rebirth um jogaço e que acrescenta MUITO ao jogo original. O relacionamento entre os personagens durante toda a jornada é excelente e consegue nos convencer de que eles estão se tornando cada vez mais uma família. Personagens que eu detestava, como Yuffie e Cait Sith, estão muito mais interessantes e cheios de carisma. A Yuffie, com sua ganância por Matérias e criando músicas a todo momento, acabou se tornando uma das minhas personagens preferidas do jogo. E a Aerith do Rebirth ficou ainda mais adorável do que ela já era em 1997 e realmente merecia um final muito melhor.

Um close no rosto da Aerith.
Uma das personagens mais apaixonantes dos games

O sistema de combate, misturando com maestria ação frenética e combate tático, é o melhor dos Final Fantasy recentes. A Square Enix achou a fórmula perfeita para manter os grupos grandes de personagens, típicos de JRPGs, mas também deixar ele com mais ação, na pegada dos RPGs ocidentais. Graficamente o jogo também está maravilhoso e poder ver em alta definição lugares clássicos, como Junon ou Nibelheim, é um sonho antigo realizado. O Felipe de 14 anos com certeza ficaria muito feliz. Todo o trecho envolvendo o Temple of the Ancients é espetacular e ele sozinho já faz valer a existência do projeto Remake. Terminei o jogo depois de 106 horas e durante 103 dessas horas eu realmente acreditei que ele seria o jogo perfeito, o meu GOTY particular, então é realmente uma pena que as três horas finais não tenham feito justiça ao que foi o restante desta belíssima jornada.

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Felipe Storino
Cinema & Outras Drogas

Redator de cinema, gibis e games na Mob Ground. Quando não está jogando, está assistindo filmes, séries ou lendo gibizinhos.