Crítica | Fome de Poder
História do McDonald’s peca em focar apenas no seu protagonista
Fome de Poder abre com Ray Kroc (Michael Keaton) questionando se uma lanchonete vendia poucos milkshakes porque havia pouca procura, ou se a procura era baixa justamente porque os pedidos demoravam a ficar prontos e por isso as pessoas desistiam. Com essa pequena introdução, o filme já deixa clara a obsessão de Kroc com o atendimento ágil que os restaurantes deveriam ter. Assim, não é de se espantar quando ele fica maravilhado com uma pequena lanchonete chamada McDonald’s, que entregava os lanches assim que os pedidos terminavam de ser feitos. A paixão de Kroc por esta ideia foi tanta que ele conseguiu convencer os donos a iniciar a hoje famosa franquia, conseguindo se tornar mais tarde o único dono dela. Fome de Poder se encarrega de contar essa história, mas sem intenção alguma de se aprofundar nos personagens envolvidos.
Como acontece na maioria das histórias de grandes empresas, aqui também Ray Kroc em algum momento acaba passando a perna nos irmãos McDonald (Nick Offerman e John Carrol Lynch). O grande problema do filme é que, em diversos momentos, ele parece endeusar seu protagonista e minimizar seus defeitos. Se ele acaba largando a esposa é porque ela demorou a embarcar em seus sonhos e ele acabou arranjando alguém que o compreendia melhor. E quando ele finalmente decide partir para o ataque contra os donos originais do McDonald’s, somos levados a ficar do lado dele porque ao longo do filme os irmãos são retratados como sendo muito intransigentes e não aceitavam as opiniões de Ray. Fome de Poder também falha em oferecer pistas de que Ray Kroc pudesse passar a perna em alguém, já que o tempo todo ele é mostrado como alguém íntegro. Isso acaba até passando a impressão de que ele acabou mudando justamente por causa dos irmãos McDonald.
Além disso, todos os outros personagens do filme parecem simples figurantes que estão ali apenas para enfeitar o cenário. Em certo momento, Ray Kroc está claramente dando em cima da esposa de um possível sócio (Patrick Wilson) na frente dele e o sujeito fica o tempo todo com a mesma expressão impassível no rosto. Já a esposa de Ray, interpretada por Laura Dern, está ali apenas para enfatizar que o protagonista possuía ambições maiores do que ser casado e ter uma bela casa. Porém, talvez o caso mais grave de personagem mal aproveitado seja o da secretária de Kroc, June Martino (Kate kneeland), que aparece no filme apenas como uma simples anotadora de recados para o empresário. Apenas durante os créditos do filme é mencionado que ela acabou se tornando sócia do McDonald’s e a primeira mulher a ter ações na bolsa de valores quando a empresa abriu suas ações para o público. Uma rápida pesquisa no google também mostra que Juno foi a responsável por conseguir alguns dos primeiros franqueados bem sucedidos para o McDonald’s. Já B.J. Novak parece não conseguir se livrar do papel de “jovem empreendedor canalha” que ele carrega desde o seriado The Office.
Enquanto o roteiro de Robert D. Siegel falha em aprofundar os personagens, a direção de John Lee Hancock acaba pecando em algumas escolhas narrativas ao contar a história. Em alguns momentos, principalmente no começo, o filme trata o espectador como um idiota, repetindo a mesma informação diversas vezes. Assim, somos obrigados a assistir Ray Kroc tendo um péssimo atendimento em várias lanchonetes diferentes, numa tentativa de deixar bem claro os motivos que o levaram a ficar fascinado com a ideia do McDonald’s e sua comida rápida. Porém, o cuidado de repetir várias vezes uma ideia tão simples não aparece quando o filme apresenta um conceito um pouco mais complexo. Para conseguir o dinheiro que o permitisse enfrentar os irmãos McDonald, Ray Kroc começa um esquema de compra de terras junto com Harry Sonneborn (B.J. Novak), mas tudo é apresentado tão rápido que fica difícil entender o que está acontecendo. Justamente a parte que merecia um pouco mais de tempo de tela acabou apenas ficando jogada ali no meio da história. A parte mais criativa do filme fica por conta do momento em que os irmãos McDonald contam como tiveram a ideia da lanchonete. Com uma montagem dinâmica, a história contada pelos dois se torna divertida e emocionante, exatamente como os personagens que a estão contando querem que pareça.
Apesar dos defeitos do roteiro e dos tropeços na direção, Fome de Poder ainda consegue entreter ao contar a história da maior rede de lanchonetes fast food do mundo. Além disso, Michael Keaton interpreta Ray Kroc com a sua competência de sempre e consegue dar conta de carregar o filme nas costas, uma vez que, além dele, apenas os irmãos McDonald são um pouco melhor trabalhados.
Fome de Poder (The Founder, EUA)
Ano de Lançamento: 2016
Duração: 1h 55min
Direção: John Lee Hancock
Roteiro: Robert D. Siegel