releituras de pôsteres de clássicos por vários artistas

A História de Hollywood pt.3

O fim do block booking, a new wave americana, os blockbusters e o cinema do novo milênio

Pedro Guerra
Cinema & TV
Published in
9 min readOct 26, 2013

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Estávamos no auge do cinema hollywoodiano quando fizemos a última parada. Os letreiros brilhantes, as salas lotadas de pessoas ansiosas pela maravilhosa diversão que o cinema proporcionava. Uma época de produção maciça de filmes dos mais diversos gêneros, de qualidade bastante oscilante controlada quase mafiosamente por um sistema que colocava todo o poder, desde criação e produção até distribuição e exibição, nas mãos de apenas oito estúdios. As estrelas agora eram produzidas e ostentadas como merchandising no grande saldão que era a venda de pacotes de filmes para as salas de projeção. Mal sabia a capital do cinema que o golpe que a derrubaria viria do próprio governo.

Estados Unidos contra Paramount Pictures

Em 1948, a Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu que o block booking era crime e passou a proibi-lo. Isso não só impossibilitou a venda de pacotes de filmes mas também forçou os estúdios a vender suas redes de cinemas. Boa notícia para as pequenas produtoras, para os cineastas independentes e para os estúdios de menor porte, que passaram a ter mais chances de emplacar seus filmes. Essa decisão da Suprema Corte foi um marco na história do cinema norteamericano, forçando os estúdios a abrirem mão das produções de baixo orçamento e optarem por uma seleção mais cuidadosa do que seria produzido. Isso aumentou a qualidade do que era feito, sem dúvida, mas também serviu como rasteira para alguns estúdios. Enquanto estúdios menores como Columbia e United Artists cresciam e engordavam seus cofres, a RKO Radio Pictures, do magnata Howard Hughes, acabou abandonando o ramo do cinema. Várias outras empresas entraram na disputa pelo mercado, inclusive a Disney que passou a fazer filmes além dos desenhos clássicos.

Enfim, Hollywood não conseguiu suportar as mudanças impostas pela lei e o sistema de estúdios começou a definhar enquanto o mercado era inundado por filmes estrangeiros. A potente indústria britânica trazia, entre outros sucessos, os filmes de James Bond e o vasto e invejável catálogo da Hammer Films. Os italianos caçoavam do mito do herói do faroeste com os spaghetti westerns, os franceses derrubavam todas as convenções cinematográficas com a Nouvelle Vague, os japoneses eram representados pelo mestre Akira Kurosawa. Ao cinema estrangeiro somavam-se as perdas de capital para a televisão que continuava a crescer e para os orçamentos gordos de filmes que procuravam obstinadamente o sucesso absoluto. Até o sistema de estrelas começou a ruir com artistas brigando entre si, processando estúdios para se livrarem dos contratos e com novos artistas deixando de se comprometer e optando pelo agenciamento.

Vale lembrar que o Hays Code, código de conduta que censurava uma série de coisas nos filmes e ditava o que podia e o que não podia ser filmado, foi destruído com outra decisão da Suprema Corte. Em 1952, os Estados Unidos passaram a ver o cinema como uma mídia artística, canal de expressão que deveria ser protegida pela Primeira Emenda, que defende a liberdade de expressão. Isso não impediu a caça aos comunistas durante a década de 50. Época dura, mais de 170 roteiristas, diretores e atores foram perseguidos e tiveram suas carreiras destruídas pela histeria anti-comunista. A lista negra criada para indicar os párias citava até Orson Welles e Charles Chaplin, que foram trabalhar na Europa.

Nova Onda, Nova Hollywood

A New Wave americana chega a ser chamada de Renascimento de Hollywood e não é à toa. É preciso entender que a indústria estava passando por grandes problemas na concorrência com a TV e com os cinemas independente e estrangeiro. Hollywood estava desesperada para encontrar alguém que pudesse alcançar esse novo público, composto por jovens da década de 60. A aposta então foi feita nos próprios jovens, aqueles que fizeram faculdade de cinema e participavam ideologicamente dessa contracultura da nova geração. O resultado foi a maior explosão de criatividade e técnica que o cinema mundial já viu, com consequências tão profundas que afetam o modo de fazer cinema até hoje.

Que o leitor preste atenção, pois A Primeira Noite de um Homem, Sem Destino, Perdidos na Noite, Rebeldia Indomável, Um Estranho no Ninho, Touro Indomável, O Jovem Frankenstein, O Iluminado, Patton — Rebelde ou Herói?, Chinatown, Serpico, Lua de Papel, Eraserhead, 2001: Uma Odisséia no Espaço e muitos outros sucessos daquela época gravaram seu nome na história e colocaram seus atores e diretores no hall da fama da sétima arte. Violência, sexualidade, drogas, anti-heróis e toda contracultura norteamericana era agora filmada e assistida por milhões de espectadores. O sucesso dos filmes dessa Nova Hollywood fez os estúdios darem total controle criativo aos seus cineastas, deixando Coppola criar O Poderoso Chefão, Lumet criar Um Dia de Cão, Scorsese criar Taxi Driver, Polanski criar O Bebê de Rosemary. Todos clássicos inegáveis, presentes em praticamente todas as listas de filmes que se deve ver antes de morrer, sucessos absolutos de público e crítica. Até o terror voltou a prosperar com a carnificina de Hooper em O Massacre da Serra Elétrica, nos novos zumbis de Romero em A Noite dos Mortos-Vivos — e ganhou valor artístico, como em A Profecia, O Exorcista e Carrie, a Estranha.

Mas nada em excesso faz bem, e quando os egos dos diretores começaram a ficar maior que seus filmes as perdas foram gigantescas. Fracassos de bilheteria como O Fundo do Coração (One from the Heart, 1982) e O Portal do Paraíso (Heaven’s Gate, 1980) transformaram os grandes talentos em desastres completos. O revés causado por O Portal do Paraíso foi tão grande que a United Artists acabou falindo e sendo vendida para a MGM, fazendo os estúdios colocarem as rédeas novamente nos diretores antes que mais problemas acontecessem.

O sucesso tão grande desse curto período na história do cinema ajudou a cristalizar o status de arte do cinema, ao lado da literatura, do teatro e da música — e foi decisivo para a criação do cinema de autoria que existe até hoje, mesmo que mais controlado quando dentro dos estúdios. Podemos ver hoje como esse período foi importante quando notamos a quantidade de filmes que são indicados e chamados “clássicos”. Pode-se dizer que essa foi a verdadeira era de ouro do cinema. E foi para isso, junto com as somas astronômicas das bilheterias, que as grandes corporações olharam quando perceberam que Hollywood era uma máquina de fazer dinheiro pronta para ser tomada.

A Era dos Sucessos

O leitor já deve ter esbarrado com a palavra blockbuster alguma vez. Sua tradução mais comum é ‘arrasa-quarteirão’, embora a mais simples seja ‘sucesso’. Esse período do cinema deve seu nome a um tipo muito particular de filme, que no Brasil é comumente chamado de “filme comercial”. Quando Tubarão (Jaws, 1975) foi lançado e praticamente explodiu em toda sala de exibição norteamericana ficou bastante claro para as corporações que valia a pena comprar um estúdio. E foi isso que aconteceu. De lá pra cá, um novo sistema de estúdios foi construído a partir das ruínas do modelo antigo. Um sistema que prevê a criação de uns poucos filmes com orçamentos altíssimos (high budget movies), voltados exclusivamente para gerar lucro, vários filmes de orçamento médio, para manter os cinemas em funcionamento e que servem também para guiar o gosto do público,e um punhado de filmes independentes com orçamento baixo, o que minimiza as perdas e maximiza os lucros — abrindo ainda espaço para o cinema de autoria. É um sistema mais complexo e mais completo que o anterior, atento às mudanças de humor da audiência e sempre buscando sucessos cada vez maiores.

Veja que a lógica aqui é criar todo tipo de produção, com orçamentos monstruosos como os de Titanic (280 mi), Piratas do Caribe (150 mi, 250 mi, 330 mi) e Avatar (250 mi) para atingir o maior público possível, mas também abrindo espaços para novas experiências baratíssimas que podem se tornar galinhas de ovos de ouro, como A Bruxa de Blair (60 mil), Napoleon Dynamite (400 mil) e Atividade Paranormal (15 mil). (A fonte é o IMDb e os valores estão em dólares.)

Diretores consagrados do cinema de autoria recebem praticamente qualquer orçamento para filmar suas histórias, pois aposta-se no sucesso de seus filmes anteriores — algo que as campanhas de marketing não nos deixam esquecer. É por isso que os nomes são sempre os mesmos: Steven Spielberg, George Lucas, James Cameron, Ridley Scott, Joel Schumacher, ao lado dos mais novos Peter Jackson, Christopher Nolan, Zack Snyder. Mas são somente uns poucos que conseguem realmente inovar e estourar as bilheterias, seja com campanhas de marketing inovadoras (O Cavaleiro das Trevas de Nolan) ou com efeitos especiais originais e inovadores (Matrix dos irmãos Wachowski, Avatar de Cameron).

Outro fator muito importante na expansão da era dos sucessos foi o advento do vídeo cassete, que podia duplicar o sucesso de um filme ou ainda lucrar com filmes antigos. As pessoas agora podiam ver seus filmes prediletos no conforto de suas casas e assitir suas cenas favoritas quantas vezes quisessem. E mais, a criação dos cinemas multiplex, aquele cinemas enormes com várias salas, aumentou ainda mais a imersão do público. A matemática era simples: com mais salas de exibição podia-se lucrar mais. Há cinemas megaplex nos Estados Unidos com mais de 20 quartos de exibição, ou seja, é possível escolher entre 20 filmes diferentes. Essa é a nova indústria do cinema, a que o leitor vive atualmente. Entretanto há quem profetize o fim dessa era para breve. As bilheterias norteamericanas sofreram uma queda de 8% em 2010, o que não condiz com o aumento da população no país em 47 milhões de habitantes nos últimos 15 anos. (No Brasil os números são mais otimistas, mas os aumentos revelam apenas que mais salas de exibição estão sendo construídas.)

A indústria cinematográfica continua, entretanto, lucrando. Apesar das investidas contra a pirataria comercial e a nova mentalidade de compartilhamento digital, os estúdios encontraram novas maneiras de fazer o lucro subir. Alternativas como a venda de filmes pela internet, a locação online, o lançamento de caixas cada vez mais completas de versões exclusivas, parcerias com estúdios menores, marketing globalizado, uma profusão de investimentos aqui e acolá que aumentaram em 14% o lucro anual de 2009 para 2010. Os defensores de Hollywood apontam que a cidade já passou por problemas similares e conseguiu se reerguer. Quem a História vai provar que está mais correto, só esperando para assistir.

Há muitos outros aspectos a serem considerados, mas decidi por ater-me somente a Hollywood e suas eras por uma questão de simplicidade. Tentar revelar toda a malha histórica do cinema mundial é uma tarefa tão ousada quanto perigosa, portanto peço que o leitor me perdoe caso eu tenha esquecido de algo ou alguém.

A fase atual do cinema norteamericano ainda é a dos blockbusters, embora estejamos num período muito fértil de releituras — há uma necessidade de atualizar temas, rever conceitos, recontar histórias. Os reboots e remakes estão em voga e passamos ainda pela aurora da interface quadrinhos/cinema, com uma miríade de filmes sendo criados e recriados — mesmo filmes ainda novos como Homem-Aranha e Quarteto Fantástico são refeitos apenas alguns anos depois.

O crescimento da internet como ferramenta também é notável dessa era, com empresas como YouTube e Netflix que usam e misturam os conceitos de criação, produção, distribuição e propriedade da arte. Há mais cinema independente hoje do que em qualquer momento da história, mas os blockbusters são mais vistos do que em qualquer época também. A sociedade está cada vez mais imagética e as séries de televisão, os canais de vídeo e o cinema ganham uma força sem precedentes, rumando para uma espécie de amálgama que poderá ser o próximo grande desafio de Hollywood.

Todos os filmes da new wave americana que foram citados no texto estão com seus respectivos títulos originais e datas abaixo. Fica a dica inestimável ao leitor: assista a todos sem excessão para que vislumbre pelo menos um pouco do auge do cinema no mundo.

  • A Primeira Noite de um Homem (The Graduate, 1967)
  • Sem Destino (Easy Rider, 1969)
  • Perdidos na Noite (Midnight Cowboy, 1969)
  • Rebeldia Indomável (Cool Hand Luke, 1967)
  • Um Dia de Cão (Dog Day Afternoon, 1975)
  • Um Estranho no Ninho (one Flew Over the Cuckoo’s Nest, 1975)
  • Touro Indomável (Raging Bull, 1980)
  • O Jovem Frankenstein (The Young Frankenstein, 1974)
  • O Iluminado (The Shining, 1980)
  • Patton — Rebelde ou Herói? (Patton, 1970)
  • Chinatown (1974)
  • Apocalypse Now (1979)
  • Serpico (1973)
  • Lua de Papel (Paper Moon, 1973)
  • Taxi Driver (1976)
  • Eraserhead (1977)
  • 2001: Uma Odisséia no Espaço (2001: A Space Odyssey, 1968)
  • O Bebê de Rosemary (Rosemary’s Baby, 1968)
  • O Poderoso Chefão (The Godfather, 1972)
  • O Massacre da Serra Elétrica (The Texas Chainsaw Massacre, 1974)
  • A Noite dos Mortos-Vivos (Night of the Living Dead, 1968)
  • A Profecia (The Omen, 1976)
  • O Exorcista (The Exorcist, 1973)
  • Carrie, a Estranha (Carrie, 1976)

Algum filme que gostaria de acrescentar à lista? Alguma dúvida ou crítica em relação ao texto? Comente, vamos falar de cinema.

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Pedro Guerra
Cinema & TV

Pseudojornalista, queria escrever tanto quanto sonho.