Jules e Jim: Uma Mulher Para Dois (1962)

Amor, tragédia, liberdade… enfim, cinema

João Neto
Cineratus
3 min readMay 5, 2021

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A Nouvelle Vague francesa ficou muito demarcada pelas suas inovações estéticas proposta por um grupo de cineastas que mantinham uma relação muito próxima com o cinema. Eram críticos, cineclubistas, todos ávidos por experimentar com as possibilidades que o cinema oferecia. Truffaut não era diferente, talvez o mais contido, ou menos caótico, mas sempre trabalhando no limiar da inovação e na proposta de enredos intimista por excelência. Em Jules e Jim, com uma abordagem que se volta para os conflitos e interesses da uma juventude boêmia, as pequenas renovações estéticas ajudam a acentuar as características demasiadamente humanas dos personagens.
A trama se desenvolve no cenário parisiense do início do século XX, com Jules, um judeu-alemão tímido, e Jim, um francês extrovertido, que iniciam uma amizade. Eles acabam conhecendo Catherine, uma mulher intensa. Logo os três boêmios se tornam um trio inseparável, enquanto o cenário político mundial estremece com a possibilidade da Primeira Grande Guerra. Jules se apaixona por Catherine, ao mesmo tempo em que Jim nutre sentimentos conflitantes pela moça.

É difícil não relacionar a trama com o momento em que foi lançado o filme, o início da era hippie que pregava o amor livre e a libertação sexual. O longa meio que catalisa esses sentimentos e causas que dominavam o momento e dá aos personagens camadas que ressoam pelo contexto histórico e social, ao mesmo tempo que os tornam ambíguos. Catherine sempre parece uma força da natureza, em constante mudança, a sua relação com os dois oscila entre a paixão arrebatadora e a repulsa inteligível. Já os dois rapazes parecem submissos aos desejos dessa mulher impetuosa: Jules disposto a dividi-la com outros se ao menos ainda puder fazer parte de sua vida; Jim, já acomodado e pertencente a uma sociedade moralmente normativa, mas que se aventura pela vivacidade da experiência.
Truffaut percebe a natureza provisória desses momentos de felicidade e paixão arrebatadoras e utiliza sua câmera como registro desse caos/caso amoroso entre os três amigos, e tem a delicadeza de congelar pequenos frames de prazer manifesto prolongando a vivência. Nesse sentido, a imagem ocupa a função de ser mais que uma mera representação da captura do tempo, mas a própria extensão do tempo.

Tempo talvez seja o quarto elemento perceptível, mas intangível, dessa relação. As transformações pelas quais passam os três protagonistas — ressaltadas pela aproximação inicial, distanciamento pela guerra, aproximação num momento posterior — revelam as variações dos laços criados de acordo com cada momento. O tempo os transforma de maneira irremediável ao ponto em que o amor varia em intensidade, transitando entre a angústia e o desespero pelo outro.
O final trágico, mas esperado diante dos rumos que a situação dos três toma em determinado ponto, demarca um sentimento controverso que espelha as liberdades individuais e devaneios dessa boemia, mas que os atam também a uma realidade que não os poupa. Morrer de amor é bonito nos filmes de hollywood, na literatura, aqui é só a inevitável consequência da vida.

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João Neto
Cineratus

Formado em jornalismo, amante de cinema, mestrando em Comunicação Social.