Liga da Justiça: Snyder Cut (2021)

Quando heróis viveram entre a insignificância dos humanos

João Neto
Cineratus
4 min readMar 19, 2021

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A longa e dolorosa jornada por trás de Liga da Justiça (2017), se confunde de certa maneira com as ideias de luto estabelecidas ao longo dessa nova versão. Ou melhor, ao longo desse novo filme, porque sim, se trata de um trabalho muito diferente e distante do que foi apresentado nos cinemas. Enquanto o olhar de Whedon estava mais interessado em contar uma história de comunhão entre esses heróis e o mundo, Snyder aqui quer que o público olhe para seus personagens como deuses que, por bondade ou pura vontade, tocam a vida de reles mortais com seus dons.
Partindo exatamente do fim de Batman v Superman (2016), este liga da justiça cria discussões em torno do luto da morte do Homem de Aço, que tanto faz paralisar, como no caso da Lois e da Martha, quanto os move numa direção diferente, fazendo Bruce Wayne e Diana Prince buscarem outros como eles. Na falta do maior de todos os heróis, o mal espreita a Terra e Lobo da Estepe surge para tentar concluir o trabalho que Darkseid deixou incompleto eras atrás.

A visão de Snyder para o enredo segue a mesma linha de seus filmes anteriores, cria sua coerência a partir de um ponto de vista que torna humanizados esses deuses, com seus dramas e dilemas pessoais, mas nunca os tira de seu olimpo onipotente. Eles vivem entre as pessoas comuns, interferem em suas vidas, mas jamais deixam de serem seres superiores um momento se quer. E se Zack Snyder gosta de ampliar o peso das ações com seu slow motion característico, ele é inteligente o bastante para fazer das intervenções celestiais de seus protagonistas um ato a ser observado nesses aprofundamentos no próprio tempo feito a partir do recurso. É cansativo muitas vezes, porque corrobora com a ideia proposta, mas é utilizado sem muita ponderação.
Mas Snyder não é e nunca foi um cineasta de nuances, sempre lhe coube os exageros, a falta de medidas e, principalmente, a imersão em sua própria visão de mundo um tanto distorcida. E em quatro horas de duração, ele tem tempo para se aprofundar como nunca antes em seus excessos, vícios de linguagem e narrativa, além das temáticas que parecem ser sua obsessão, como a morte — basta olhar para Madruga dos Mortos(2004) em que temos claramente criaturas do além vida; 300 (2006), com o fim trágico de seus heróis; Watchmen (2009), a distopia catastrófica do que deveria ser virtuoso, marcado pelo peso das mortes; Sucker Punch (2011) e, mais uma vez, a tragédia das vidas de suas personagens; e ao longo de seu comando em que o Superman mata em um filme e morre no seguinte.

Adentrar nesse mundo tão particular exige perceber esses personagens a partir da própria concepção “defeituosa” que lhes foi oferecida. E quando tratamos de imperfeição é por conta dessa fragilidade concebida em sua natureza, mesmo sendo representados como deuses. Ainda assim, parece que o peso das figuras dos pais parece ser o elo entre suas características divinas e o próprio mundo dos humanos, estão sob sua tutela de alguma forma, psicologicamente ou a partir de metáforas.
O fato é que parece que mesmo diante de tanto poder, de tantas figuras complexas e extraordinárias, é uma benção seu interesse por nossa insignificância. Eles oprimem o mal, eles possuem algum prazer nessa atividade — o que fica latente principalmente na luta entre Superman e Lobo da Estepe, em que é possível enxergar certa satisfação no herói ao massacrar o vilão -, talvez eles até façam o que fazem por uma satisfação própria, um contentamento até um pouco narcisista, mas que não deixa de refletir um bem comum, coletivo. Há um prenuncio de que essa interação irá terminar de maneira trágica — reforçado pelo sonho de Bruce Wayne e a visão do Ciborgue -, como um alerta ou lembrete de que, talvez, os deuses devessem habitar apenas o olimpo, o que torna a esperança amarga mesmo nos momentos de inspiração. Mas, isso também faz parte da visão “deturpada” de quem assume o controle total sobre a história que quer contar.

É interessante tudo o que é proposto aqui, porque funciona a partir dessa experiência pessimista, mas com pequenos toques de um otimismo que nunca prevalece. Talvez, no cinema em 2017, não tivesse funcionado, nós precisávamos da versão do Joss Whedon para enxergar nesse novo trabalho do Snyder o peso, a importância e o ato de fé que é olhar para o luto e mesmo para a visão negativa, em tons escuros, e ainda assim encontrar fé.

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João Neto
Cineratus

Formado em jornalismo, amante de cinema, mestrando em Comunicação Social.