Minari (2020)

A fé que destrói, a fé que restaura e a realidade

João Neto
Cineratus
3 min readMar 10, 2021

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Minari parece partir de um ponto um tanto ingrato, visto as inúmeras histórias que se voltam para o núcleo familiar e fazem do cinema uma janela de puro voyeurismo dos problemas e afetos de seus componentes. Inicialmente pode passar a sensação de que não há nada de novo para ser contado, tudo, ou quase tudo, sobre esse tema já foi explorado e exposto. Mas Lee Isaac Chung encontra nos detalhes de sua mise en scène modos de explorar os altos e baixos da condição familiar, dos anseios de ser uma família estrangeira, da busca do sucesso e, no extracampo, ilustrar as formas de fé que os acompanham na jornada.
A trama acompanha a família Yi durante a década de 1980, imigrantes que se mudam da costa oeste dos EUA para a zona rural do Arkansas. Jacob, o pai, começa uma plantação em sua nova propriedade. David, o filho, tenta se adaptar ao novo ambiente e a vinda de sua avó da Coréia, enquanto a mãe Monica teme pela possibilidade de falirem nessa empreitada.

Chung estabelece muito bem os dramas dessas pessoas diante das incertezas da vida, o que os leva a se apegarem em conceitos de fé distintos. Enquanto a mãe tem fé numa intervenção divina, que possa salvá-los de alguma maneira, sentimento compartilhado também por Paul, homem que ajuda Jacob na plantação; o pai por sua vez carrega uma fé distinta, que está ligada ao seu sucesso com a fazenda para conseguir a redenção de sua família. Os elementos que propiciam suas crenças estão em tela — a igreja, crucifixos, uma pintura bíblica; sua lavoura, a colheita -, mas a fé em si nunca está em tela, sempre ocupa um outro plano que eles parecem nunca alcançarem verdadeiramente, eles só podem almejá-lo.
Da necessidade de acreditar, seja no divino, seja na prosperidade pelo trabalho, a crença corrompe e cega ao ponto de ver a base familiar próxima do colapso, ao mesmo tempo em que os restitui com pequenos sinais — a melhora na doença do filho, a colheita farta, a água que volta a fluir da torneira. Então eles estão presos entre os estímulos insensatos da fé, que mexem com suas certezas, que os distancia, que faz do sonho de sucesso em terras estrangeiras próximo e afastado.

Em contraponto, o arco de David e sua avó, numa relação improvável e conflituosa, faz refletir a realidade palpável capturada pelas câmeras. Não há fé para estes, apenas os dias vividos e as pequenas alegrias, seja em plantar o minari às margens de um riacho, ou então na graça dos problemas entre o neto e a avó. O que, por fim, é o que se sustenta. A fé, importante para mover a família, não se sustenta diante da realidade, bela e dura, aterrorizante e estimulante, mas a única que prevalece ao fim.
Chung faz dessa experiência algo cru até certo ponto, mas também contemplativo e poético, auxiliado pela beleza das imagens e por seus movimentos de câmera sutis, além da trilha sonora minimalista, mas presente de forma consciente. Tudo isso para registrar a importância da fé, mas a brutalidade inegável do real, que é tudo que existe. O que sobra, ao fim do filme, são as minaris, alheias aos desatinos das crenças, firme como as raízes familiares.

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João Neto
Cineratus

Formado em jornalismo, amante de cinema, mestrando em Comunicação Social.