Wolfwalkers (2020)

A liberdade que se quer ver

João Neto
Cineratus
3 min readMar 13, 2021

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Num mundo dominado por animações 3D e que notadamente tem interesse em divertir com um certo cinismo engraçadinho, Wolfwalkers faz o caminho contrário. Não apenas por seu apelo em 2D, mas pela forma como trata a jornada de sua protagonista, num esforço que remete aos trabalhos de ouro da era Disney na década de 1950 e a sensibilidade que o estúdio Ghibli sempre porporciona.
Em uma época de superstição e magia, quando os lobos são vistos como demoníacos e a natureza um mal a ser domado, Robyn, uma jovem aprendiz de caçadora, vai para a Irlanda com seu pai na tentativa de eliminar um último bando. Quando a jovem é salva por uma garota nativa selvagem, sua amizade a leva a descobrir o mundo dos Wolfwalkers, transformando-a na mesma coisa que seu pai tem a tarefa de destruir.

Contraste talvez seja a palavra mais correta para resumir o filme. E o contraste está em duas esferas diferentes: a esfera da indústria dos filmes animados e a esfera da narrativa proposta dentro da obra. Quando falo da indústria, me refiro pela escolha em fazer da ilustração uma mistura entre a arte finalizada e o rascunho, que por vezes fica exposto em tela à vista. Essa escolha visual o aparta de certos vícios consagrados a partir de um padrão normativo. Ora, se a ilustração toma distancia das imagens geradas por computador, a abordagem que remete a um ar ainda inocente, honesto, é porque seu foco é contar a história que propõe sem grandes interferências, sem insights espertinhos que reverenciam a própria indústria e a cultura pop, nem mesmo carrega pontos isolados para um olhar mais adulto. É a rebeldia, de certa forma, a partir do que não é usual.
E a rebeldia tá intrinsecamente ligada a esta obra. Os contrastes da narrativa estão na necessidade de libertação diante da opressão pelo medo. Robyn não compreende muitas vezes a atitude do pai, que age por puro receio das consequências vinda das instituições, representadas na figura do Lorde Protetor. O medo do pai, reflete na filha, ambos sob o peso da repressão, mas que em determinado momento encontra o caminho da liberdade. E há um paralelo acertado pelo visual, que faz do urbano e suas figuras de poder ameaçadores, com formas angulares, pesadas e dominantes, sobrecarregando a imagem; enquanto a floresta, seus habitantes e as protagonistas foram concebidas com formas mais arredondadas, cores vivas e convidativas.

A liberdade alcançada e almejada, mesmo que inconscientemente pelos personagens, já foi alcançada pela abordagem, que é “puro suco” do que a Disney fez em seu passado, junto dos respiros narrativos e visuais destacados na filmografia do estúdio Ghibli. Dá pra acreditar que entre mega lançamentos obcecado por atender uma demanda, seja visual ou mesmo de lucro, ainda existe espaço para trabalhos voltados para si mesmos, libertos em todos os sentidos.

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João Neto
Cineratus

Formado em jornalismo, amante de cinema, mestrando em Comunicação Social.