O Clube dos Canibais

Direção de Guto Parente | 2018 | Terror - Comédia | Fortaleza/CE

vino
rock.rec.br
3 min readOct 6, 2019

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O longa teve sua estreia no circuito comercial no dia 3 de outubro, pela Olhar Distribuição

O Clube dos Canibais apresenta seu horror diretamente, logo nas primeiras cenas. A relação do casal da elite com os funcionários supera a mera exploração da mão-de-obra. Seus caprichos e fetiches, protagonizados por Gilda e Otávio, espremem os subalternos até a última gota de sangue — corta para o bife mal-passado na refeição seguinte. E é neste tom de deboche, de sátira, que Guto Parente [confira a entrevista] se relaciona com a rotina de horror, portanto. Como se a direção do filme, num ato de canibalismo, usasse as armas de seus protagonistas.

A grande praia que nos introduz ao universo particular é emoldurada por janelas de vidro. Lembram vitrines. É arejada por um ar-condicionado que separa o trabalho braçal do prazer de viver em “segurança”. O filme se passa nas casas e festas dessa burguesia. As personagens pobres, ao contrário, só aparecem em relação ao serviço que prestam, ou procurando empregos.

Fotograma do filme: O Clube, formado por homens brancos e velhos.

A elegância dessa elite, e no modo como é filmada, nos provoca. O preparo dos pratos, a apresentação dos espetáculos do Clube, o discurso dos líderes, essas festas. No movimento entre absurdo, cotidiano, absurdo, nós nos deslocamos para o riso ou o estranhamento, e não apenas para o medo que o terror pressupõe. É com essa elegância que o travelling nos mostra quem compõe o clube, ou que mostra o discurso hipócrita de seu líder.

Embora se apresente dessa forma direta (desde a experiência visual até a trilha), às vezes até superficial, isso não significa que a violência seja explícita ou gratuita. Afinal, ela acontece no extra-campo. Ou então mediada pelas câmeras daquele universo — as de segurança, a da filmagem amadora que está na cena do espetáculo do clube. Na relação entre estes homens e podres poderes, Gilda é quem pensa, articula, Otávio “só obedece”. Do outro lado da pirâmide, na luta pela sobrevivência, Jonas subverte a série de violências partindo pra cima. Novamente, vemos o resultado apenas no sangue que escorre na parede, de forma indicial.

A segurança da propriedade é preocupação constante da elite.

Para desenvolver esse canibalismo, Guto se afasta da realidade também exagerando-a. Nos oferece uma luta de classes às avessas. Existente no Brasil desde a época colonial, mas que no contexto contemporâneo toma medidas desproporcionais, absurdas. Uma violência patriarcal, antiquada, carregada de discursos de ódio. Mas que saiu do armário e chegou à presidência. Então O Clube dos Canibais se aproxima novamente do absurdo que tem sido a realidade: “(…) Brindemos à lealdade que nos une. Homens distintos e devotos dos mais nobres e elevados valores universais. Porque somos muitos, e enquanto nos mantivermos unidos nada e nem ninguém irá nos destruir e destruir nossa pátria.”

Jonas, contratado para ser caseiro na mansão de Otávio e Gilda.

Não é o momento para “análises de conjuntura”, então as potências da sátira e do humor abrem novos caminhos. Inclusive para nos retomar esse lugar de expressão do terror, especificamente, e da arte. E ainda para driblar a censura, que apesar de autoritária, é sempre burra.

Texto de Vinícios "vino" Carvalho e revisão por Frederico Moschen Neto. A publicação colaborativa rock.rec.br é uma iniciativa da Sangue TV. Conheça o nosso expediente e colabore.

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