A importância de The Bold Type

Letícia Magalhães
Cine Suffragette
Published in
7 min readOct 7, 2017

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Este é um guest post escrito por Tina Kakadelis.

(Imagem: reprodução)

Como alguém que cresceu vendo séries como Barrados no Baile (90210), Melrose Place e Gossip Girl, o conceito de um drama feito para jovens adultos tem um lugar especial no meu coração. Com toda nova temporada de estreias na televisão, eu fico de olho para descobrir novos dramas teen. Desta vez, eu fui positivamente surpreendida pela série do canal Freform, The Bold Type.

A série é sobre Sutton, Kat e Jane, três melhores amigas que trabalham juntas na revista Scarlet, uma Cosmopolitan fictícia. Sutton é assistente de um executivo, Kat é a diretora social e Jane está começando como redatora. A série é muito fofa e feita para a nova geração, os millennials engajados. Há referências à peça Hamilton, à Beyoncé e à política. Os roteiristas não fogem de temas polêmicos, e nem as meninas da série.

O que é fora do comum, entretanto, é a abordagem da amizade das três. A amizade é a espinha dorsal da série, e com razão. O tema não é nada novo. A maioria dos dramas teens têm amigas como protagonistas porque a maioria do público é composta de mulheres jovens. Entretanto, o que diferencia séries como Gossip Girl e One Three Hill de The Bold Type é o fato de que nas séries mais antigas a amizade entre as garotas era fonte de muito drama. Quantas vezes Brooke e Peyton brigaram por causa de Lucas em One Three Hill? Quanto tempo Blair e Serena passaram brigadas em Gossip Girl?

O que diferencia The Bold Type é o fato de que a amizade entre Sutton, Kat e Jane nunca é questionada. Elas são as três mosqueteiras, uma por todas e todas por uma. Elas não estão tramando ou falando mal pelas costas umas das outras. A amizade delas é um sistema saudável de apoio que está lá nos piores momentos, e é assim que uma amizade deveria ser. Mesmo quando Kat julga mal uma situação e por causa disso o emprego de Sutton fica ameaçado, elas mantêm a amizade porque a valorizam o suficiente para dialogar sobre o problema. Elas querem consertá-lo, e não brigar por causa dele.

(Imagem: reprodução)

Colocar as mulheres umas contra as outras é algo que acontece desde o começo dos tempos. As mulheres praticamente aprendem que o valor delas é medido através da comparação com as mulheres ao seu redor. Nós aprendemos a ter inveja das meninas que são mais inteligentes ou mais magras ou mais rápidas ou mais bem-sucedidas. O conceito de “frenemies” — amigas que também são rivais — existe quase que exclusivamente por causa das amizades entre meninas.

As meninas que veem as relações de “amigas e rivais” na TV acabam levando características destas amizades ara a vida real. Torna-se normal e aceitável brigar muito com as melhores amigas. As amizades, em sua essência, deveriam ser baseadas em apoio e amor mútuos, mas a televisão raramente mostram estes elementos nas amizades femininas. Um cara é comumente colocado no meio das amigas e, de repente, elas se esquecem da amizade e passam a disputar aquele carinha que conheceram cinco segundos atrás. Eu sei que a televisão não tem a obrigação de ser realista, mas fala sério! Por que estamos ensinando as meninas a dar mais valor à atenção dos garotos do que à amizade?

(Imagem: reprodução)

The Bold Type está na metade da primeira temporada* e indo muito bem, com 100% de aprovação no Rotten Tomatoes e muitos elogios tanto de críticos quanto do público. Eu acredito que boa parte do sucesso é devido à maneira como a série representa as mulheres. Não apenas a amizade delas, mas cada uma das três como personagens individuais.

Kat, a diretora de mídias digitais, conhece Adena, uma fotógrafa muçulmana lésbica, e logo se encanta com ela, o que gera alguma confusão. Até conhecer Adena, Kat sempre se identificou como heterossexual. Quando ela conta para as amigas que está gostando de uma mulher, a vida dela continua a mesma. As amigas continuam ao seu lado, apoiando-a. A primeira reação delas não é vê-la de um jeito diferente ou se preocupar porque ela vai começar a dar em cima delas. Não. A primeira reação delas é deixar claro que elas estão lá para ajudá-la como puderem.

Kat (Aisha Dee) e Adena (Nikohl Boosheri) (Imagem: reprodução)

Jane é a mais conservadora e nervosa das três. Enquanto Sutton e Kat são muito cabeças-duras, Jane precisa conhecer todos os fatos e opções antes de tomar a menor das decisões. Mas ela não é vista como inferior porque é diferente das amigas, e elas ainda a ajudam com os problemas pensando sempre na melhor saída para ela.

Jane (Katie Stevens) (Imagem: reprodução)

Sutton é forte e, pessoalmente, minha favorita. O sonho dela é trabalhar com moda, mas ela não é apenas uma mulher que gosta da ideia de trabalhar na indústria da moda sem ter conhecimento prático. Pelo contrário: ela está adquirindo este conhecimento desde que era criança. Seus arcos narrativos a tiram da zona de conforto do trabalho que ela vem fazendo há três anos e a jogam no incerto mundo da moda. É revigorante ver alguém perseguindo seus sonhos e merecendo todas as recompensas quando o sonho se torna realidade.

Sutton (Meghann Fahy) (Imagem: reprodução)

The Bold Type entende que drama interpessoal não é o único tipo de drama interessante que existe. Todas as supervisoras das meninas são mulheres fortes que fazem o que podem para ajudá-las a seguirem seus sonhos. Eu sei o que você está pensando. Isto é apenas decência humana, não é algo digno de ser visto na TV. Bem, deixe-me contar uma coisa, no mundo da televisão e na maneira como as mulheres são representadas ali, esta mudança deve ser celebrada. Não é todo dia que as pessoas podem ver locais de trabalho bacanas com mulheres na chefia. Em 90% dos casos, quando uma mulher interpreta uma chefe na TV, ela é como Meryl Streep em O Diabo Veste Prada ou Calista Flockhart em Supergirl.

Eu sei que a televisão é apenas televisão, mas ela não existe num vácuo. Eu devo ter repetido esta frase todos os dias da minha vida, mas é verdade. As coisas que vemos na cultura pop influenciam diretamente a vida real. Eu me lembro de ver um filme original do Disney Channel quando era mais nova e de ter gostado da maneira como uma das atrizes escrevia a letra “E” num pedaço de papel em determinada cena. Eu realmente mudei minha caligrafia por causa de um filme do Disney Channel. Este é um exemplo ínfimo, mas se eu fui levada a mudar minha caligrafia por causa de um filme, como você ainda acredita que a cultura pop não é importante?

Mesmo que meu exemplo tenha sido simples, ele prova a importância das representações. É por isso que as pessoas devem prestar atenção ao conteúdo que estão criando. Ao criar Jane, Sutton e Kat como três mulheres reais, com defeitos, eles estão mostrando para as meninas que não há só uma maneira correta de ser uma mulher. E eles estão mostrando isso também para os homens.

(Imagem: reprodução)

As pessoas falam muito sobre a importância das meninas verem mulheres fortes como exemplos, mas poucos falam da importância dos meninos verem que essas mulheres fortes existem. A ideia de uma mulher forte não é limitada à força (embora mais filmes com super-heroínas sejam mais de necessários), mas à ideia de uma mulher completa. Uma mulher que toma suas próprias decisões e não tem vergonha de ser quem é. Uma mulher com defeitos, mas que não é definida por estes defeitos. Meninos e meninas precisam saber que as mulheres têm suas próprias vidas e vontades e não existem somente quando conectadas de alguma maneira com um homem. Mulheres com vidas completas vivem também fora de seus relacionamentos com homens. Eu fico feliz que The Bold Type mostre isso.

No final das contas, Kat, Sutton, Jane e todas as mulheres celebram umas às outras, e também suas diferenças, esperanças, sonhos, imperfeições, e tudo que faz elas serem quem são. The Bold Type está entrando em um território que poucos dramas exploraram, e por isso todos devem assistir à série.

*Quando o texto foi escrito, The Bold Type ainda estava na metade de sua exibição. Hoje, ela já tem ao menos mais duas temporadas confirmadas.

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