A Ordem do Tempo (2023), de Liliana Cavani

Letícia Magalhães
Cine Suffragette
Published in
4 min readJun 14, 2024

--

Uma pergunta já repetida muitas vezes, a título de curiosidade, como atiçador da imaginação ou por motivos filosóficos é: o que você faria se soubesse que o mundo vai acabar? Mais recentemente esta pergunta foi o ponto de partida da minissérie de animação “Carol e o Fim do Mundo”, e também do novo longa da diretora Liliana Cavani. Neste, os adultos maduros confrontados com o fim da odisseia humana na Terra, além de ter reflexões profundas, dançam juntos e fazem guerra de travesseiros — mas o filme é muito mais do que isso.

O asteroide Anaconda está se aproximando da Terra a uma velocidade tão grande que o tempo fica distorcido, e muitos cálculos complexos precisam ser feitos para saber se o corpo celeste se chocará contra o nosso indefeso planetinha. Os físicos Enrico (Edoardo Leo) e Giulia (Francesca Inaudi) estão às voltas com investigações sobre o asteroide quando se reúnem com amigos para comemorar o aniversário de Elsa (Claudia Gerini). Durante a festa, o clima é tenso com muitas especulações de astrofísica e espera interminável por atualizações de observatórios.

Os amigos debatem se as pessoas têm ou não o direito de saber sobre a iminência da colisão do asteroide. Em “Carol e o Fim do Mundo”, quando descobrem que um corpo celeste vai se chocar contra a Terra em alguns meses, sem possibilidade de salvação, as pessoas abandonam seus trabalhos e vão viver como bem entendem, aproveitando o pouco tempo que lhes resta. Os pais de Carol, por exemplo, passam a andar sem roupa, com um enfermeiro formam um trisal e vão viajar pelo mundo. Mas Carol é diferente: ela segue com sua rotina, até mesmo conseguindo trabalho numa empresa de tarefas demasiado mundanas. Será que seriam muitas as Carols do apocalipse?

Uma das subtramas é o romance intermitente entre Enrico e Paola (Kseniya Rappoport). Outra é da empregada Isabel (Mariana Tamayo), que no desespero de nunca mais ver o filho pequeno, luta para conseguir um voo rapidamente para seu país natal, o Peru. Na iminência do fim, o marido de Elsa, Pietro (Alessandro Gassmann), pede desculpas por tê-la traído com Jasmine (Angeliqa Devi). Ela, por sua vez, rememora o relacionamento com Giulia na época do Ensino Médio, que ao que parece foi além de um amor platônico. São muitas as frentes de história abertas, mas nenhuma desenvolvida a contento.

Segundo a Física, o tempo não existe. Ou melhor: segundo um físico, o tempo não existe. Este físico é o italiano Carlo Rovelli, que já foi chamado de “o novo Stephen Hawking” por querer tornar a física quântica acessível a todos. Segundo Rovelli, o tempo não é uma sucessão contínua de fatos, mas sim um emaranhado de momentos. O tempo linear serve, sim, para medir muita coisa com precisão, porém para se referir ao universo o conceito não serve. E mesmo nós, que não seríamos afetados por uma nova área da física que estude o tempo, podemos perceber o tempo passando em velocidades diferentes de acordo com a pessoa e o lugar em que ela vive: dois amigos da mesma idade, um que se muda para a montanha e outro para a praia, quando se encontram podem não perceber, mas o que foi para a montanha viveu mais e está ligeiramente mais velho que o amigo que foi para a praia.

Logo no começo do filme, Elsa fala sobre a tragédia grega de Alceste, que está ajudando sua filha Anna (Alida Baldari Calabria) a traduzir. Alceste ofereceu-se para morrer no lugar de seu amado marido, Admetus, mas foi trazida de volta do mundo dos mortos por Hércules. Nada no cinema é por acaso, e a menção de Alceste no filme traz o questionamento: quem no grupo seria capaz de se oferecer para morrer no lugar de um dos amigos?

A nonagenária diretora Liliana Cavani, mais conhecida por seu sucesso internacional “O Porteiro da Noite” (1974), não arrisca muito em “A Ordem do Tempo”. Ela própria deve estar enfrentando a finitude, por sua idade avançada, e é pouco provável que seus questionamentos a esta altura da vida sejam tão tépidos quanto as situações e problemas retratados no filme. Talvez a resposta para as emoções não muito fortes do filme esteja em sua origem: “A Ordem do Tempo” é baseado num livro de não-ficção de mesmo nome de Carlo Rovelli. Cavani diz, sobre o livro que inspirou o filme:

Quando fico tão absorta na leitura de algo, e sinto as emoções surgirem, quero transmiti-las ao meu público e geralmente decido fazer um filme sobre isso. Mergulhei profundamente em palavras emocionantes como: ‘Toda a nossa física, e a ciência em geral, trata de como as coisas se desenvolvem conforme a ordem do tempo’”

--

--