"Be Natural: The Untold Story of Alice Guy-Blaché" e a importância da reparação histórica

Lígia Maciel Ferraz
Cine Suffragette
Published in
3 min readMay 21, 2019

--

No seu documentário de estreia, Pamela B. Green investiga a história não contada da cineasta Alice Guy-Blaché.

Entre os dias 02 e 12 de maio, o festival IndieLisboa movimentou a capital portuguesa com uma programação de mais de 280 filmes entre curtas e longas-metragens, nacionais e internacionais. No programa Director’s Cut, o documentário Be Natural: The Untold Story of Alice Guy-Blaché, de Pamela B. Green, sobre a cineasta francesa, foi exibido em sessão única junto do curta-metragem Les résultats du féminisme, de Alice Guy-Blaché.

O documentário de 2018, concebido graças a um financiamento coletivo, aborda a vida e a obra de Alice Guy-Blaché que, entre 1896 e 1920, realizou mais de mil filmes na França e nos Estados Unidos, sendo ela uma das primeiras e mais vorazes cineastas da história do cinema. Além disso, foi pioneira no filme narrativo, inovadora em muitas técnicas visuais (como close-up e som sincronizado), dirigiu seu próprio estúdio (a Solax Company), e foi extremamente relevante para o desenvolvimento do cinema pré-hollywoodiano.

Alice Guy-Blaché em imagem de arquivo no documentário Be Natural: The Untold Story of Alice Guy-Blaché.

Narrado por Jodie Foster, o documentário se propõe a fazer uma investigação da presença de Alice Guy-Blaché neste período da história do cinema, indo desde o reconhecimento da autoria dela em alguns filmes que haviam sido associados ao seu assistente de direção ou ao seu ex-marido (que na época era sócio do estúdio), até a identificação da cineasta e de seu estilo através de vídeos e fotografias da época, legitimando a sua presença no início do cinema e reforçando a influência que teve sobre outros cineastas, como Sergei Eisenstein e Alfred Hitchcock.

Através de entrevistas com historiadores, pesquisadores e cineastas (como Agnès Varda, Ava DuVernay, Patty Jenkins e Julie Delpy), intercaladas com áudios e imagens de arquivo de entrevistas com a própria cineasta e sua filha, a diretora Pamela B. Green busca fazer um panorama não só sobre como Alice Guy-Blaché foi inovadora e visionária, mas também sobre como a ausência da cineasta na história do cinema não foi um erro, e sim uma construção narrativa baseada no machismo de uma sociedade que não aceita que uma mulher tenha sido competente e inventiva em uma profissão hoje dominada por homens.

A sessão do documentário no IndieLisboa começou com a exibição do curta de Alice Guy-Blaché, Les résultats du féminisme, de 1906, onde mulheres e homens trocam de papéis não só nas vestimentas quanto nos gestos e nas ações. O fator cômico, característica presente na obra da cineasta, está na possibilidade dos maridos passarem roupas e cuidarem dos filhos enquanto as esposas bebem e assediam homens. O público se divertiu assistindo ao curta percebendo não só o talento criativo da cineasta quanto a atemporalidade do tema que discute performatividade de gênero e feminismo em uma época em que o assunto ainda tinha caráter embrionário.

Les résultats du féminisme (1906), de Alice Guy-Blaché

Be Natural: The Untold Story of Alice Guy-Blaché faz uma reparação histórica quando recoloca o nome da cineasta no lugar de onde nunca deveria ter saído: junto das principais pessoas que estavam na fundação do cinema. O documentário também demonstra a relevância de trazer para a superfície a vida e obra das mulheres que tiveram — e ainda têm — sua presença diminuída ou apagada da história. Além disso, cumpre o papel social fundamental de valorizar as mulheres do cinema e de denunciar o machismo na indústria cinematográfica, para que casos como este diminuam cada vez mais.

--

--