Elas por Elas (2022) e o filme de antologia

Letícia Magalhães
Cine Suffragette
Published in
4 min readOct 20, 2023

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Filmes de antologia ou filmes antológicos ou ainda filmes coletivos são produções que não contam com uma narrativa única, mas sim com segmentos separados que em geral têm algo em comum, como um tema. Do clássico de terror “Na Solidão da Noite” (1945), passando por “Nashville” (1975) e chegando a obras-primas como “Magnólia” (1999), o filme de antologia não é algo que muito se vê no cinema. Isso poderia mudar com “Elas por Elas” (2022). Com sete segmentos, feito por sete diretoras de sete países diferentes, “Elas por Elas” poderia reavivar o interesse por filmes de antologia, mas infelizmente fracassou.

O primeiro segmento é “Pepcy & Kim”, escrito por Catherine Hardwicke e dirigido por Taraji P. Henson: quando a detenta Kim Carter (Jennifer Hudson) vai para a reabilitação, ela descobre que sua maior inimiga pode ser ela mesma.

O segundo segmento, “Até os Cotovelos”, é escrito e dirigido por Catherine Hardwicke: baseado no real projeto Roomkey, que abrigava pessoas sem-teto em quartos de hotel em Los Angeles durante a pandemia de Covid-19, o segmento acompanha a Dra P (Marcia Gay Harden) num atendimento à vulnerável Val (Cara Delevingne).

Temos o terceiro segmento, “Lagonegro”, escrito e dirigido por Lucía Puenzo, com a arquiteta Ana (Eva Longoria), que volta para casa para o funeral da irmã Sara. Lá ela descobre que ficou com a custódia da sobrinha, Lena, que sequer conhecia.

Mipo O assina roteiro e direção do quarto segmento, “Uma Semana em Minha Vida”. Como o nome diz, acompanhamos uma semana na vida de Yuki (Anne Watanabe), mãe solo de duas crianças que trabalha num restaurante. Todo falado em japonês, o segmento nos oferece um quentinho no coração quando descobrimos como a filha de Yuki, Aya, agiu para tornar a rotina da mãe mais leve.

Escrito por Giulia Louise Steigerwalt e dirigido por Maria Sole Tognazzi, “Tácito”, o quinto segmento, mostra uma noite de atendimento da médica veterinária Diana (Margherita Buy), quando uma paciente chega pedindo por socorro para seu animal e para ela mesma, que sofre violência doméstica.

O sexto segmento, “Compartilhando a Corrida”, é dirigido por Leena Yadav, também uma das roteiristas, e acompanha a cirurgiã plástica Divya (Jacqueline Fernandez) que vai atrás de uma mulher trans com quem compartilhou uma corrida de tuk-tuk.

O sétimo e último segmento, denominado “Aria”, é escrito e dirigido pela dupla Lucia Bulgheroni e Silvia Carobbio. Trata-se de uma animação sem diálogos que apresenta duas criaturas que se libertam dos papéis de gênero que lhes eram impostos e ajudam a libertar outros como eles.

Por trás de “Elas por Elas” está uma produtora chamada We Do It Together. Com os objetivos de empoderar mulheres e promover igualdade de gênero no cinema e na mídia, a produtora sem fins lucrativos declarou que “Elas por Elas” “é mais que um filme; é um movimento”. Criada em fevereiro de 2016, naquele mesmo ano a produtora anunciou este primeiro trabalho, então com o título “Together Now” (o título internacional acabou sendo “Tell It Like a Woman”). Naquele momento, as diretoras que estavam ligadas ao projeto eram Catherine Hardwicke, Haifaa Al Mansour, Kátia Lund, Małgorzata Szumowska, Melina Matsoukas, Patricia Riggen e Robin Wright. Só Hardwicke permaneceu no produto final, que também sofreu atrasos de filmagem devido à pandemia.

Talvez meu filme de antologia favorita seja “Seis Destinos” (“Tales of Manhattan” no original), de 1942. Nele, seis histórias são contadas, tendo em comum a presença de um fraque, peça de roupa que foi amaldiçoada em sua confecção, e que acompanhará os personagens passando por muitos desafios. Neste filme, o fraque é o fio condutor da história e o elemento em comum, que faltou em “Elas por Elas”. O filme de 2022 não é sequer montado a partir de histórias reais, que inspiraram três dos segmentos, mas tem em comum apenas o fato de contar histórias de mulheres tendo mulheres atrás das câmeras.

Por essas e outras, “Elas por Elas” foi duramente massacrada pela crítica. Mas não é para tanto: os segmentos funcionam bem como curtas separados e poderiam ter até sucesso em festivais se assim tivessem sido apresentados. Embora não dito com estas palavras ou esta eloquência pelos seus algozes, o que prejudica o filme é realmente a falta de um fio condutor que ligue todos os segmentos.

As más críticas não impediram que “Elas por Elas” fosse indicado a um Oscar: Melhor Canção Original para “Applause”, de Diane Warren, tocada nos créditos finais. Esta foi a décima quarta indicação de Warren, no ano seguinte à sua vitória no Oscar Honorário. Esta indicação colocou o filme no radar de muitas pessoas pela primeira vez, e infelizmente ajudou a alavancar as críticas negativas.

O fracasso de crítica de “Elas por Elas” certamente ajudou a alimentar os haters que classificam qualquer filme feito sob a óptica de uma diretora como “woke garbage”. Não estamos dizendo que todo filme feito por uma mulher automaticamente deve ser elogiado, só apontando que tem muita gente ansiando pelo fracasso destas produções. “Elas por Elas” é falho, mas não de todo ruim. Esperamos que as duras críticas, por mais acertadas que sejam, não coloquem um ponto final nas atividades da We Do It Together, uma organização tão necessária nos nossos tempos.

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