Gardênia: um poema para Billie Holiday

Rafaella Britto
Cine Suffragette
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2 min readApr 24, 2019

Uma homenagem aos 104 anos de nascimento da musa do jazz.

(Foto: Reprodução/CNN)

Vai-se alta a noite.

Sobre os cinzas arranha-céus,

A Lua Azul contempla

A Estrela Fugidia,

Dama do Dia.

Gardênia é seu nome.

Eleanora, para alguns.

Billie, para outros.

Mas para o lúgubre céu de Abril

Que adotou-a como genuína filha,

Chama-se Gardênia.

Gardênia Chorona.

Gardênia Dolor.

Porém sempre,

Em lânguida vibração — Gardênia.

Nascida entre espinhos, atirada ao monturo,

Gardênia Dolor clama à Lua Azul

Pelo cessar deste ardor da flâmula

Que corrói-a por dentro no prostrado deleite

Do querer sem-fim.

Flor do poente, divina estrela cadente –

Gardênia Dolor clama à Lua Azul

Pelo cessar deste torpor famélico

Que marca, a ferro em brasa, o destino

Da pele escura.

Sobe Gardênia, vestida em cetim,

Ao palco do firmamento,

E aos pés da fria Lua Azul

Despeja a lágrima.

Áspero langor ecoa através dos muros do Harlem,

Casa-se ao burburinho dos prazeres,

E irmana-se ao coro negro na casa de adoração,

Celebrando, em pujante oração, o pão e a vida,

Saciando, em uníssona poesia,

O surdo clamor cativo.

Quem é esta mulher

– pergunto à pálida Lua Azul –,

Que canta o Amor e a Fome,

Nesta cândida agonia

Que aos céus sobe

Em trágica harmonia,

E os anjos destrona?

Vejo-a.

Tristeza adornada

De imortal beleza.

Chorosa como a cadência do bandolim.

Arrebatada como o sopro do trompete.

Intensa como o batuque do bongô.

Suave como o toque do piano.

Gardênia Chorona, Etérea Dolor.

Mulher — pranto de morte, suplício em dor

No temor do insípido amanhã.

Espírito da paixão contrita.

Místico balbucio de primavera.

Insólita pétala no jardim do mundo.

Porém sempre,

Em lânguida vibração — humana.

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Rafaella Britto
Cine Suffragette

São Paulo-based writer, poet, teacher, translator and researcher. Lover of classic films, music, traveling and all things vintage.