Gardênia: um poema para Billie Holiday
Uma homenagem aos 104 anos de nascimento da musa do jazz.
Vai-se alta a noite.
Sobre os cinzas arranha-céus,
A Lua Azul contempla
A Estrela Fugidia,
Dama do Dia.
Gardênia é seu nome.
Eleanora, para alguns.
Billie, para outros.
Mas para o lúgubre céu de Abril
Que adotou-a como genuína filha,
Chama-se Gardênia.
Gardênia Chorona.
Gardênia Dolor.
Porém sempre,
Em lânguida vibração — Gardênia.
Nascida entre espinhos, atirada ao monturo,
Gardênia Dolor clama à Lua Azul
Pelo cessar deste ardor da flâmula
Que corrói-a por dentro no prostrado deleite
Do querer sem-fim.
Flor do poente, divina estrela cadente –
Gardênia Dolor clama à Lua Azul
Pelo cessar deste torpor famélico
Que marca, a ferro em brasa, o destino
Da pele escura.
Sobe Gardênia, vestida em cetim,
Ao palco do firmamento,
E aos pés da fria Lua Azul
Despeja a lágrima.
Áspero langor ecoa através dos muros do Harlem,
Casa-se ao burburinho dos prazeres,
E irmana-se ao coro negro na casa de adoração,
Celebrando, em pujante oração, o pão e a vida,
Saciando, em uníssona poesia,
O surdo clamor cativo.
Quem é esta mulher
– pergunto à pálida Lua Azul –,
Que canta o Amor e a Fome,
Nesta cândida agonia
Que aos céus sobe
Em trágica harmonia,
E os anjos destrona?
Vejo-a.
Tristeza adornada
De imortal beleza.
Chorosa como a cadência do bandolim.
Arrebatada como o sopro do trompete.
Intensa como o batuque do bongô.
Suave como o toque do piano.
Gardênia Chorona, Etérea Dolor.
Mulher — pranto de morte, suplício em dor
No temor do insípido amanhã.
Espírito da paixão contrita.
Místico balbucio de primavera.
Insólita pétala no jardim do mundo.
Porém sempre,
Em lânguida vibração — humana.