Guerrilheira e musa: o passado desconhecido de Angelines Fernández, a Bruxa do 71

Rafaella Britto
Cine Suffragette
Published in
4 min readApr 10, 2017

Há mais de 30 anos, nossas tardes são agraciadas pelas trapalhadas de Chaves e seus companheiros, entre eles, a eterna enamorada de Seu Madruga, Dona Clotilde, também conhecida como Bruxa do 71. A personagem, interpretada pela atriz Angelines Fernández, eternizou-se no imaginário latino-americano com os famigerados bordões “Como disse?”, “Quem é bruxa?” e “É melhor não dizer nada.”

Entretanto, o que poucos sabem é que, antes de ser conhecida como ‘Bruxa’, Angelines foi musa: nascida na Espanha, a atriz atuou nas guerrilhas contra a ditadura do general Francisco Franco e foi pioneira do cinema mexicano. Conheça o passado de Dona Clotilde.

GUERRILHEIRA E MUSA

Nascida em Madrid, em 9 de julho de 1922, María de los Ángeles Fernández cresceu em um ambiente artístico e de consciência política. Ainda nos primeiros anos de juventude, engajou-se na luta contra o fascismo instaurado em seu país em 1939, após a Guerra Civil.

Perseguida pela ditadura de Franco, partiu para o México em 1947. Lá, a convite do ator espanhol radicado no México, Ángel Garasa, iniciou no teatro.

Raras imagens de Angelines Fernández no início de sua carreira, na década de 1950 (Fotomontagem/Reprodução)

Pouco depois, foi contratada pela rede televisão cubana CMQ, vivendo durante um breve período em Havana. Retornou definitivamente ao México em 1950 para estrelar a peça Cuatro Corazónes con Freno y Marcha Atrás, de Jardiel Poncela, iniciando, assim, sua carreira como atriz dramática.

Angelines Fernández era conhecida atriz de novelas no rádio e na TV, ao mesmo tempo em que incursionava pelas telonas, contracenando com astros da Era de Ouro do cinema mexicano, como Cantinflas e Arturo de Córdova.

Angelines Fernández na novela La familia Miau, produzida pela Televisa e exibida em 1963 (Foto: Reprodução)

A atriz fez participações em clássicos como El Esqueleto de La Señora Morales (1960), a primeira comédia de humor negro do cinema mexicano. Estrelado por Arturo de Córdova, o filme narra a estranha história de um taxidermista sexualmente reprimido e aprisionado por um casamento sem amor a uma mulher puritana e fanática religiosa. Angelines é Clara, a irmã beata da esposa vitimista. A musa, então com 38 anos, mostra a elegância que consagrou-a como uma das mulheres mais bonitas do México em seu tempo.

Confira abaixo um trecho da participação de Angelines Fernández em El Esqueleto de La Señora Morales:

A CHEGADA AO ELENCO DE CHESPERITO

Foi Ramón Valdés, grande amigo de Angelines, quem a apresentou a Roberto Bolaños. “Me lembro que, certa ocasião”, contou a filha da atriz, Paloma Fernández, “minha mãe se encontrou com Ramón Valdés na ANDA [Asociasión Nacional de Actores]. Ela pediu que ele perguntasse a Chesperito se ele não tinha nada para ela. Logo foram criados os personagens da vila e Chesperito foi dando forma à ‘Bruxa do 71’”.

Ramón Valdés e Angelines Fernández: eternos amigos dentro e fora das telas (Foto: Reprodução)

Ao contrário do que se supõe, Angelines sentia enorme prazer em interpretar Dona Clotilde, segundo relata Paloma: “Ela sempre teve muito respeito por Roberto Bolaños. E assim era feliz. No início, fazer os outros rirem lhe custava, porque era atriz dramática e não tinha nada a ver com a comédia.”

Chesperito e seu elenco na década de 1970 (Foto: Reprodução)

A atriz, entretanto, jamais livrou-se da imagem da personagem: “As crianças na vida real sempre a imaginaram como uma bruxa de verdade, e quando saíamos ao mercado ou levávamos nosso cachorrinho para passear, os meninos gritavam: ‘Aí vem a Bruxa!’. E minha mãe começava a se mortificar. Comentava comigo que se sentia triste porque ninguém queria ficar perto dela, tinham medo! Eu ria quando, na vida real, ela se irritava com as crianças do mesmo jeito que ela se irrita com o Chaves e a Chiquinha. Depois se acostumou e não se incomodava mais em ser chamada de ‘Bruxa’”.

O elenco de Chaves durante as gravações do programa (Foto: Reprodução)

O incessante hábito de fumar levou Angelines a adquirir um câncer de pulmão. A atriz faleceu no dia 25 de março de 1994, coincidentemente, aos 71 anos. “Ficava vendo televisão desde a hora que levantava”, contou Paloma. “Só dormia com a TV ligada e adorava conviver com suas netas. Foi uma mulher feliz, ganhou medalhas da ANDA por sua trajetória, se realizou como mãe e artista, ainda que às vezes ficasse triste porque toda sua família estava na Espanha.”

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Rafaella Britto
Cine Suffragette

São Paulo-based writer, poet, teacher, translator and researcher. Lover of classic films, music, traveling and all things vintage.