Lições que aprendi com Lady Bird

Larissa Oliveira
Cine Suffragette
Published in
8 min readJun 7, 2018
Saoirse Ronan como a adolescente problemática e intuitiva em Lady Bird- A Hora de Voar, de Greta Gerwig (2017)

A atriz , escritora e diretora norte-americana Greta Gerwig fez sua estreia na direção com Lady Bird- A Hora de Voar. Na época de lançamento chegou a obter aprovação máxima pelo Rotten Tomatoes. Este é o motivo número um pelo qual a obra atraiu muita atenção. No entanto, é somente quando assiste-se ao filme e se compreende suas relevantes mensagens que se pode reconhecer a sua grandeza. Anteriormente à sua nova carreira, Gerwig atuou em uma série de filmes mumblecore e ganhou reconhecimento por personagens peculiares e criativas. Ela tem interpretado tipos diferentes de mulheres,dinâmicas e multidimensionais. A precisão em mostrar o quanto somos imperfeitos e perfeitos ao mesmo tempo é o que torna suas personagens verossímeis. Com Lady Bird, Greta narra a saga de uma garota de dezessete anos chamada Christine (Saoirse Ronan) que só atende pelo nome de Lady Bird. Ela vive em um confronto diário com a sua obstinada mãe, Marion (Laurie Metcalf), e com seu irmão Miguel (Jordan Rodrigues), relacionando-se melhor com o seu pai, Larry (Tracy Letts). Gerwig nos situa em sua cidade natal, Sacramento (CA) em 2002/2003. Ela está familiarizada com o ambiente e os traços dos habitantes, há um pouco de sua própria memória na história, mas sua intenção não é retratá-la biograficamente. O que a diretora californiana realmente pretende é contar uma história que não é de identificação única, pode ser dela, minha e sua. Greta dá espaço para todos os personagens mostrarem o que os machuca, o que os diverte e os cortes abruptos nas cenas são como aqueles momentos que acontecem em nossas vidas e cujos resultados só percebemos mais tarde. Eu poderia resenhar Lady Bird com base no seu enredo, mas decidi listar algumas lições que podemos aprender com este filme comovente, engraçado, emblemático e acima de tudo,belo.

[Spoiler alert]

Não há nada como o vínculo entre você e a sua família

É claro que nem todas as pessoas têm uma família saudável e assim não vão ser capazes de se conectar com a história de Lady Bird

Saoirse Ronan como Christine “Lady Bird’’ McPherson e Laurie Metcalf como Marion McPherson

Na cena de abertura do longa, assistimos a um diálogo entre a protagonista e a sua mãe . Lady Bird quer ir para alguma faculdade fora de sua cidade natal — em um lugar onde as coisas estão realmente acontecendo — mas Marion mostra-se relutante.Temos a impressão de que esta tem sido uma conversa frequente entre as duas e que sempre acaba em conflito. Há um tom de comédia e drama como resultado da ferocidade de Christine diante da objeção de sua mãe. Ambas são obstinadas e cuidadosas, no entanto, não sabem como equilibrar as suas emoções, e seus ataques impulsivos desaparecem em momentos que somente o vínculo entre filha e mãe pode amenizar. Embora Christine ( Lady Bird) seja jovem, entendemos seu desejo de deixar sua cidade natal e explorar o mundo repleto de diferentes experiências lá fora. Nós também entendemos por que a mãe dela é contra as suas decisões . Os pais observam seus filhos crescerem, intervindo constantemente em suas vidas, então fica difícil para eles deixarem seus filhos encontrarem seu próprio caminho,alcançar a maturidade total. Relaciono-me inteiramente com a frustração de Lady Bird em conversar com a mãe sobre seus sonhos, porque também me senti sufocada pela proteção familiar. É só quando Marion vê Christine voando longe de suas asas que ela tem um colapso e percebe como poderia ter feito as coisas de maneira diferente. É uma cena muito comovente. Não devemos sentir apatia em relação à Marion ou Lady Bird por conta dos conflitos mal resolvidos entre elas. Aprendemos que Marion apenas não estava pronta para ver Lady Bird cultivar as suas próprias asas, traçar seu próprio caminho. Além disso, o seu pai, Larry, foi demitido recentemente e tem lutado contra a depressão. Ele não deixa isso atrapalhá-lo como pai, e apoia totalmente sua filha para começar uma vida por si só . Há muito amor entre filha e pais e há muitos conflitos. Raramente assistimos a um filme em que o vínculo parental se dá de forma humanizada e séria.

Você vai perceber quem está realmente lá para você quando você está no seu pior momento

Pode parecer bobagem, mas contar com alguém é uma das coisas mais difíceis diante da nossa sociedade extremamente individualista

Beanie Feldstein como Julianne “Julie” Steffans e Lady Bird

Lady Bird frequenta um colégio católico nos subúrbios de Sacramento. Lá, ela passa seu tempo com sua melhor amiga Julie. Elas devoram hóstias de comunhão enquanto falam sobre sexualidade feminina. As garotas choram juntas ouvindo canções tristes depois que Lady Bird tem seu coração partido. De forma geral, elas fazem o que podem para se divertir enquanto estão reunidas. Porém, quando Lady Bird forja ser quem ela não é a fim de agradar uma garota popular da escola, isso afasta Julie e a crise só é superada quando Lady Bird encontra-se desolada e precisando de um ombro amigo. Na noite do baile da escola, nenhuma delas tem um par romântico e, sendo assim, vão ao baile juntas e depois amanhecem caminhando por paisagens de Sacramento, paisagens estas que invocam a suavidade e beleza do local . Ainda é difícil assistir a filmes adolescentes uma vez que a amizade entre garotas é mostrada de uma forma não saudável. A rivalidade feminina é um estigma perpetuado e sabemos que já passou da hora de alterar essa representação para uma realista sobre a relação entre garotas . Apesar da garota popular da escola ter notado a falsa identidade adotada por Lady Bird a fim de impressioná-la, ela não segue o rótulo de bitch esperado em papéis de meninas adolescentes. As duas acabam se tornando boas amigas.

Se o amor der errado, outras coisas podem dar certo

Quando somos jovens e nos decepcionamos com alguém com quem nos relacionamos, parece o fim de mundo. Para Lady Bird, as decepções amorosas não ficarão no caminho do futuro que a espera

Lady Bird e Lucas Hedges como Danny O’Neill

Lamento Marilyn Monroe, mas quando uma garota tem seu coração partido, ela precisa seguir em frente. Quando Lady Bird vê o jovem Danny fazendo teste para atuar no teatro da escola, ela se apaixona . Ele responde ao seu anseio e os dois iniciam um romance. Em uma cena, Lady Bird sugere que ele pode tocá-la intimamente, mas ele se recusa alegando que é respeitoso. O relacionamento deles parece bem até Lady Bird vê-lo beijando outro cara em uma festa. Embora Danny tenha partido profundamente o seu coração, ela eventualmente entende como é difícil para Danny lidar com sua identidade oculta e o fruto dessa compreensão é um companheirismo difícil de se encontrar hoje em dia . Mas a sua grande decepção amorosa não foi suficiente para ela não se apaixonar por alguém novamente. Após conhecer o misterioso tirado a existencialista Kyle (Timothée Chalamet) na cafeteria em que trabalha, os dois acabam dormindo juntos. No entanto, ao mentir sobre a sua virgindade, sendo que aquela era a primeira vez para Lady Bird, Kyle diz que ela não devia dar muito importância para isso. Mesmo sentindo-se devastada por conta da sua insensibilidade, Lady Bird tinha coisas maiores em seu caminho e não deixou esse sentimento perdurar por muito tempo. Podemos então,inferir uma certa maturidade nela. 17 anos e com os pés no chão, mas ultrapassando as barreiras necessárias para voar. Lady Bird é como qualquer outra garota, passando por experiências que moldarão seu futuro. Ela não deixou nada atrapalhar o crescimento de suas próprias asas. E agora que garotos deixaram de ser um obstáculo, a protagonista tinha mais liberdade em seguir em frente.

Maturidade tem mais a ver com a mente do que com a idade

Maturidade vem com a consciência de si mesmo

Lady Bird é agora Christine

Quando perguntam a Christine por que ela escreveu seu nome como Lady Bird para uma audição no teatro, ela diz “eu o dei para mim mesma’’ . É uma forma de reivindicar a sua voz quando ela se sente ostracizada em sua realidade. Sua mãe acha a escolha ridícula, o que a motiva a mantê-lo. Lady Bird alega não pertencer à sua cidade natal e que poderia oferecer mais para o mundo afora. Ela se inscreve para algumas universidades fora e dentro do seu Estado, e depois de ser colocada em uma lista de espera, o que não a incomodou, ela é eventualmente chamada para uma em Nova York. Mas como pode uma menina tão jovem e adotando outro nome se tornar autônoma? A resposta depende da sua futura experiência de vida. Gerwig não intenciona passar a mensagem de que sua protagonista estará madura o suficiente quando sair de casa. Nossa sociedade crê que a independência é muito mais uma questão de ser economicamente independente e que tem a ver com a idade. Pode ser verdade em alguns casos, mas algumas pessoas vivem em ótimas condições financeiras e ainda assim podem ser emocionalmente imaturas . O que a cineasta nos ensina é que fazer escolhas maduras em uma idade jovem ainda pode apresentar obstáculos, mas ter a consciência de si mesmo e do que você almeja importa bastante. Assim que Christine chega em NY, ela desmaia depois de uma noite de farra. Lá, ela conhece um cara legal e se apresenta como Christine, não mais como Lady Bird. Isso implica uma transição para uma vida adulta, para uma nova fase de sua vida. Quando Christine foi aceita na faculdade, sua mãe não sabia e manteve um voto de silêncio até que ela entrou no avião para a cidade que nunca dorme. Marion cai em lágrimas e quando volta para o aeroporto para se desculpar, Christine já tinha levantado voo. Em sua estadia na nova cidade, Christine recebe uma mensagem de amor de sua mãe e a retribui. Esta é uma bela demonstração de perdão e finalmente vemos Christine chegar a um acordo com seu imaturo e teimoso eu. O filme me comoveu porque com a vida adulta vem a responsabilidade e temos que estar em uma boa sintonia com nós mesmos para enfrentar futuros dilemas. Uma vez que aprendemos o quanto o amor e o apoio são essenciais para nos jogarmos em nossas jornadas, a vida se torna mais leve e nossas escolhas, mais certas. Lady Bird não sabia disso, mas Christine sabe.

O texto foi adaptado de sua versão em inglês abaixo:

https://medium.com/@larissa1/lessons-i-learned-with-lady-bird-e9477d3eddbf

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Larissa Oliveira
Cine Suffragette

Brazilian writer, teacher and zinester. Articles related to cinematic content. I also write for https://medium.com/@womenofthebeatgeneration_