Loja de Unicórnios (2017), de Brie Larson
Todos nós conhecemos alguém que foi o tipo de criança que amava arte – talvez você, que está lendo este texto agora, foi uma criança não arteira, mas artista. Sim, aquele tipo de criança que ama glitter, pintura, desenho, artesanato e afins. Aquele tipo de criança que começou a rabiscar as paredes do quarto, depois desenhava em pedaços de papel que os pais mostravam, orgulhosos, para todos, depois frequentava aulas de arte e no final das contas decidiu – o que era óbvio – estudar arte na faculdade. E então a realidade bateu à porta, e esta criança, agora um adulto, teve de abandonar a arte, esquecer os sonhos da infância e se conformar com a ideia de ser como todo mundo. Isso já aconteceu com tantas crianças. E isso aconteceu com a protagonista de “Loja de Unicórnios”, interpretada por Brie Larson, que também é diretora e produtora do filme.
Kit (Larson) foi recentemente expulsa da escola de arte e voltou para a casa dos pais. O tipo de arte que ela faz era muito infantil para ser levado a sério pelos professores e críticos de arte. De fato, ela adora se sujar enquanto cria obras abstratas e ultracoloridas com tinta, e dá o toque final adicionando muito glitter a todas as suas criações. E há um tema que tem sido constante em sua arte desde a infância: unicórnios.
Triste e convicta de que seus pais a consideram um fracasso, Kit aceita um emprego temporário em uma empresa de Relações Públicas. Seu trabalho é, inicialmente, apenas tirar cópias de revistas, mas logo seu chefe Gary (Hamish Linklater) vê potencial nela, mas ele demonstra isso de maneira não muito apropriada.
Ao mesmo tempo, Kit começa a receber envelopes estranhos, e um deles traz uma promessa tentadora: A Loja tem tudo que ela sempre quis. Ela vai até A Loja e lá encontra o excêntrico Vendedor (Samuel L. Jackson), que está disposto a dar um unicórnio para ela, mas apenas se ela cumprir algumas exigências. Por isso, Kit contrata Virgil (Mamoudou Athie) para construir um estábulo para seu novo melhor amigo, e ela também decide mudar tudo na relação com seus pais e no seu trabalho.
Atualmente, mais e mais adultos se sentem inadequados quando comparam sua situação atual e as expectativas que a sociedade impõe sobre eles enquanto adultos – e estes adultos estão dispostos a confessar que não sabem exatamente o que é ser adulto. O filme de Brie Larson, de certa maneira, é sobre sentir-se inadequado. Quando Kit aceita um trabalho temporário normal, ela troca suas roupas coloridas por um tailleur cinza que pertenceu à sua mãe, e entra em um ambiente de trabalho que também é cinza e sisudo. Ela troca sua criatividade por um trabalho mecânico que não exige sequer inteligência. Quando ela decide fazer mudanças na vida, o que há de colorido e infantil nela entra em conflito com o ambiente de trabalho cinza e sério – e há inclusive uma crítica muito interessante ao mundo da publicidade, onde mulheres nuas são a escolha mais comum para vender quaisquer produtos: um mundo no qual nem sempre a solução mais criativa é escolhida.
“Loja de Unicórnios” é a estreia de Brie Larson na direção. O filme, escrito por Samantha McIntyre, ficou em pré-produção por muitos anos, e teve mais de um diretor e protagonista sondados antes de Brie ser finalmente escolhida para trabalhar como atriz e diretora – ela recebeu a oferta para dirigir o filme em 2016, após ganhar o Oscar por “O Quarto de Jack” (2015). Não há nada de revolucionário na direção de Brie, mas foi um começo sólido para ela. 2019 tem tudo para ser o ano de Brie, em especial por causa dos dois filmes em que interpreta Carol Danvers / Capitã Marvel – “Capitã Marvel” e “Vingadores: Ultimato”. O fato de a Netflix ter postergado a estreia de “Loja de Unicórnios” desde 2017, quando o filme estreou no Festival Internacional de Cinema de Toronto, só vem para somar ao ano de sucessos de Brie.
Uma vez que superamos a descrença para com a trama e embarcamos na jornada de Kit, podemos encontrar muitos significados para o unicórnio prometido. O unicórnio pode representar os sonhos de infância que enterramos e que precisamos desenterrar para descobrirmos quem realmente somos. O unicórnio pode representar tudo que sempre quisemos, e as exigências servem para mostrar que nossos sonhos são muito mais fáceis de alcançar do que imaginamos – basta nossa vontade verdadeira de fazer mudanças. O unicórnio pode representar nossos objetivos, aqueles que só alcançamos se mantivermos um pouquinho – ou muito – do otimismo infantil que um dia tivemos.
Ou talvez não haja nenhuma mensagem escondida em “Loja de Unicórnios” e o filme seja uma simples obra de fantasia. Mas, considerando todas as pessoas que estão usando as redes sociais para dizer como o filme afetou a vida delas, devemos concordar que há mais mágica em “Loja de Unicórnios” que um cético pode encontrar – você sabe, o tipo de mágica que só conhecemos quando nos reconectamos com nossos sonhos de infância.
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