Não se Preocupe, Querida (2022), de Olivia Wilde

Letícia Magalhães
Cine Suffragette
Published in
5 min readNov 29, 2022

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ESTA CRÍTICA TEM SPOILERS

Alguns filmes ficam mais interessantes devido às histórias de bastidores que são contadas sobre eles. Por exemplo, isso acontece com a cena do Vagabundo conhecendo a florista cega em “Luzes da Cidade” (1931), cena repetida 342 vezes até que Charles Chaplin ficasse satisfeito com o resultado. Ou com a sequência do incêndio em “E o Vento Levou…” (1939), na qual foram queimados cenários de filmes anteriores, como o de “King Kong” (1933). Ou na sequência que dá título à “Cantando na Chuva” (1952), que foi gravada com Gene Kelly ardendo em febre. Os exemplos são muitos, e um filme recente se junta a esses grandes clássicos graças aos seus escândalos de bastidores: o aguardadíssimo “Não se Preocupe, Querida”.

Jack (Harry Styles) e Alice (Florence Pugh) parecem viver uma vida idílica nos EUA dos anos 1950. Morando perto do deserto, em um bairro de casas sempre iguais, com famílias sempre iguais morando dentro delas, Jack sai para o trabalho pontualmente todos os dias com os outros maridos, todos trabalhando no mesmo local. Alice cuida da casa, faz aulas de balé, cozinha e, quando Jack chega à noite, está sempre pronta, linda, para dar-lhe um drink e momentos de prazer.

Todo dia elas fazem tudo sempre igual. Suas festas e recepções são regadas a coquetéis, assim como suas idas a lojas no centro da cidade, para o qual sai uma espécie de bonde todos os dias. As mulheres só não sabem de uma coisa: o que exatamente seus maridos fazem no Projeto Vitória, uma empresa no meio do deserto. Essa ignorância nunca incomodou as esposas, até o dia em que Alice começa a passar por experiências estranhas, como testemunhar a queda de um avião que só ela viu ou ter a sensação de ser esmagada em sua própria casa. Tudo começa quando outra esposa, Margaret, questiona em público o dono do Projeto Vitória, Frank (Chris Pine).

Era de se esperar que os causadores do dissenso fossem o novo casal na área, Bill e Violet, mas na verdade quem causa tumulto são Margaret e Alice. Acontece então o que acontecia sempre com as mulheres não-recatadas dos anos 50: é sugerido que elas tenham algum tipo de doença mental, precisando por isso de remédios e eletrochoque — quiçá uma lobotomia. Diagnosticar-nos como “histéricas” e nos encher de remédios e pseudo tratamentos é há muito tempo uma estratégia de controle dos corpos e das mentes das mulheres.

A desconfiança generalizada nos faz lembrar de dois outros filmes: “Corra!” (2017), brilhante filme de Jordan Peele, e “Midsommar” (2019), de Ari Aster, curiosamente também estrelado por Florence Pugh. Estes dois filmes também dialogam, no quesito “descobrir a verdade sobre sua realidade”, com a série de comédia “The Good Place”. Olivia Wilde mencionou como influências os filmes “A Origem” (2010) e “O Show de Truman” (1998). Nesse sentido, vemos que “Não se Preocupe, Querida” não é original em sua trama, mas, mais uma vez, é a execução que conta.

Neste filme, ao contrário do que aconteceu em sua estreia como diretora no excelente “Fora de Série / Booksmart” (2019), Olivia Wilde também trabalha como atriz, interpretando a personagem Bunny. Suas escolhas na direção não são exatamente ousadas, mas seu desempenho atrás das câmeras é competente. Destacamos um momento de conversa à beira da piscina, quando a câmera sempre em movimento nos causa vertigem: aqui está uma escolha de direção vencedora.

Não conheço Harry Styles como cantor e sou incapaz de dar uma opinião bem fundamentada sobre o One Direction, mas sei que a performance de Styles em “Dunkirk” foi irrelevante o suficiente para que eu não me lembre mais dela. A beleza do ator funciona da mesma maneira que a de Chris Pine: homens bonitos no padrão WASP (White, Anglo-Saxon, Protestant) que apresentam comportamento bizarro com a evolução da narrativa. Mais uma vez, como vem acontecendo sempre, Florence Pugh é o destaque, seja repetindo um mantra sobre controle ou singrando o deserto num carro veloz, tal qual a Furiosa em “Mad Max: Estrada da Fúria” (2015).

Vamos então às histórias de bastidores. Shia LaBeouf foi escalado para o papel de Jack, embora Styles fosse a primeira opção, mas deixou o elenco por conta de, dizem, mau comportamento e conflitos com o resto do elenco — nas palavras de Olivia Wilde, “o processo e estilo de Shia eram combativos demais”. Depois disso, mais polêmicas aconteceram com o filme já pronto. No evento CinemaCon, enquanto apresentava o trailer do filme, Olivia foi interrompida por um agente que entregou papéis de um processo sobre a guarda dos filhos dela após a separação de Jason Sudeikis. Na estreia mundial do filme, no Festival de Veneza, um clipe correu o mundo mostrando uma suposta cuspida de Harry Styles em Chris Pine. Todas essas histórias, como a maioria das história de bastidores, serviram para aumentar o interesse no filme — interesse alto que, infelizmente, não se concretizou neste filme mediano.

“Não se Preocupe, Querida” ousa ao passar para a seara da ficção científica. Com essa nova camada narrativa, fica clara a mensagem de que a vida nos subúrbios nos anos 1950 não era tão idílica como muitos querem fazer parecer — incluindo conservadores com sua conversa de volta aos “bons e velhos tempos”. Quando um homem faz uma escolha para a vida de sua esposa, passando a ser completamente responsável por ela, as coisas nunca saem bem para a mulher. É uma reflexão, uma mensagem importante, mas a execução geral do filme deixa a desejar. Queremos, sim, que Olivia Wilde possa dirigir mais filmes — sabemos que um diretor homem pode errar e voltar a ser contratado, privilégio nem sempre dado às diretoras mulheres — e possa, assim, fazer suas próprias escolhas, direito que foi negado às mulheres de “Não se Preocupe, Querida”.

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