Névoa Prateada (2024), de Sacha Polak

Letícia Magalhães
Cine Suffragette
Published in
4 min readApr 29, 2024

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ESTA CRÍTICA TEM SPOILERS

Muitas coisas boas podem acontecer quando menos esperamos. O amor é uma delas, o cinema já provou em diversas ocasiões. Também é quase por acaso que obtemos uma família escolhida: quase sem perceber, um dia nos damos conta de que temos amigos que amamos como se eles fossem sangue do nosso sangue. O cinema também está cheio de famílias deste tipo, e mais uma chega para fazer um contraponto a famílias de sangue em “Névoa Prateada”, produção holandesa cheia de reviravoltas.

Franky (Vicky Knight) não quer romance, muito menos com outra mulher; ela está à procura de outra coisa: quer justiça e respostas. Quinze anos antes, teve quase metade do corpo queimado em um incêndio ocorrido no dia do aniversário de sua irmã Leah (Charlotte Knight). A responsável pelo incêndio não apenas ficou livre da prisão como se casou com o pai de Franky e Leah e com ele formou uma nova família.

Franky é enfermeira e um dia conhece, em seu turno, Florence (Esme Creed-Miles), uma garota que havia tentado suicídio. Depois de receber alta, Florence precisa continuar indo ao hospital para consultas de prevenção ao suicídio. Ela sai de uma destas consultas arrasadas e, vendo o sofrimento de Florence, Franky a convida para saírem e tomarem alguma coisa, como forma de distração. Da amizade para o romance é um pulo, numa transição tão natural quanto a luz do dia.

Isso não significa que o caminho delas estará livre de obstáculos. O primeiro surge na figura do irmão de Franky, que grita ofensas homofóbicas ao flagrar as duas se beijando. Isso leva Franky a ter que sair de casa. Depois, o ex-namorado de Leah e alguns outros velhos conhecidos encontram as duas num ônibus e agridem-nas verbal e fisicamente. Mas, felizmente, o foco do filme não é o sofrimento do casal.

Muito pelo contrário: o novo foco agora é a vingança do incêndio, uma vingança que Florence convence Franky a levar a cabo com suas próprias mãos. Isso mostra que o pedido do público foi atendido: não queremos somente filmes sobre lésbicas sofrendo para sair do armário ou para viver um amor impossível. Queremos filmes de lésbicas trambiqueiras, incendiárias, que cometem contravenções. Lésbicas que não são santas nem mártires, mas sim pessoas comuns fazendo coisas — mais ou menos — comuns.

Pensa que o filme acaba com a vingança? Você está muito enganado: Florence se cansa de Franky, mas a enfermeira é convidada a ficar na casa de Florence por Alice (Angela Bruce), a avó da ex que sofre com um câncer agressivo, e assim Franky experimenta uma nova vida em família.

Há ainda uma subtrama envolvendo a irmã de Franky, Leah: além de se converter para o islamismo, ela esfaqueia o ex-namorado Jason. A pena de Leah acaba sendo só fazer serviços comunitários, e depois ela encontra a felicidade em uma nova relação.

“Névoa Prateada” é uma produção da Holanda capitaneada pela diretora e roteirista Sacha Polak. Ela tem até agora no currículo 13 títulos como diretora, entre curtas, longas e episódios para séries de televisão. Ela fez em 2019 o filme “Dirty God”, também estrelado por Vicky Knight, sobre uma sobrevivente de um ataque com ácido tentando reconstruir a vida. Knight, enfermeira que se tornou atriz, assim como sua personagem em “Névoa Prateada” esteve em um incêndio quando tinha oito anos de idade.

Um bocado confuso por causa dos diversos caminhos tomados pela trama, “Névoa Prateada” é, contudo, um bonito drama LGBTQ+. Talvez a diretora tivesse sido mais feliz fazendo uma série de curtas, um sobre cada assunto, com a repetição da protagonista. Mas, dos males o menor: o cinema independente e queer só tem a ganhar quando um filme como este chega às salas de exibição.

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