O Castelo dos Sonhos (2020), de Lina Lužyte

Letícia Magalhães
Cine Suffragette
Published in
3 min readJan 16, 2021

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(Imagem: assessoria de imprensa)

Monika (Barbora Bareikyte) vive com a mãe, Jolanta (Gabija Jaraminaite), pianista obrigada a trabalhar numa fábrica de peixe para sobreviver, e com a avó (Jurate Onaityte), claramente apresentando sinais avançados de demência. Monika tem uma bela voz e, com a mãe tocando teclado, se apresenta de vez em quando. É numa destas apresentações ocasionais, no funeral de um colega de trabalho da mãe que cometeu suicídio, que Monika chama a atenção de um produtor musical que a convida para cantar em um castelo. Para desencorajar a filha da ideia de aceitar a proposta, Jolanta doa o teclado para o centro comunitário local. Para se apresentar, Monika precisará de dinheiro suficiente para alugar o teclado e comprar uma passagem de trem.

Num primeiro momento, “O Castelo dos Sonhos” pareceu o tipo de filme agradável sobre música e superação, como o adorável “Sing Street”. Mas me surpreendi muito com as reviravoltas da história, começando com o momento em que Monika decide fingir que a avó foi sequestrada para extorquir a própria mãe e usar o dinheiro do resgate para alugar o teclado.

Monika e a família vivem em um prédio em Dublin, Irlanda, semelhante ao prédio claustrofóbico do filme “Eu, Daniel Blake”. Além delas, a vizinhança inclui um ladrão de ocasião, Adam (Andrei Ciopec), e uma imigrante polonesa, Natalia (Martyna Peszko), que trabalha em uma boate. A família de Monika vem da Lituânia, e nesta colcha de retalhos que é o prédio podemos ver as dificuldades enfrentadas pelas mulheres imigrantes.

(Imagem: assessoria de imprensa)

A Lituânia vem perdendo habitantes rapidamente — desde 1995, estima-se que um terço da população tenha migrado. Em 2016, foi reportado que, por causa da saída de pessoas, empregadores lituanos não conseguiam mais habitantes locais para as vagas de emprego, e assim passaram a empregar a mão de obra de refugiados. Na Irlanda, segundo o Censo de 2011, havia mais de 34 mil lituanos, fazendo deles o terceiro maior grupo estrangeiro no país, atrás apenas de poloneses e britânicos.

Se ser imigrante já é difícil, imagine o que é ser uma mulher imigrante. Desde 2000, vem crescendo o número de mulheres que saem de seus países em busca de melhores condições de vida e diferentes oportunidades. Elas precisam, entretanto, enfrentar dificuldades comuns na vida da mulher — como o assédio e a violência — e também questões como xenofobia e a prostituição compulsória. Muitas, como Jolanta em “O Castelo dos Sonhos”, aceitam empregos informais ou mesmo a situação de subemprego para sobreviver, mesmo tendo diploma superior ou outras habilidades, como vimos no filme: a pianista trabalhando na fábrica de peixe.

Lina Lužyte escreveu e dirigiu “O Castelo dos Sonhos”, seu terceiro longa-metragem, sendo o primeiro deles um documentário. Em entrevistas sobre o filme, ela sempre fez questão de destacar, em vez de seu próprio trabalho, o talento da protagonista de 13 anos, Barbora Bareikyte, que nunca havia atuado antes. Sobre o filme em si, uma fala da diretora se destaca: “Queria mostrar a Lituânia não como vítima, mas como lutadora”.

(Imagem: assessoria de imprensa)

Eu não costumo gostar de filmes do subgênero “coming of age”. “O Castelo dos Sonhos”, entretanto, difere muito do subgênero explorado em Hollywood: crescer e amadurecer, para uma pessoa, pode não ter nada a ver com começar a vida sexual, ir para a faculdade ou se embebedar. É sempre duro, mas é diferente para cada um e cada uma de nós. Sim, precisamos de filmes fofos como “Sing Street”, mas também necessitamos de alguns choques de realidade como em “O Castelo dos Sonhos”: o mundo é cruel com quem está crescendo. É muito cruel com as mulheres. E mais cruel ainda com as mulheres imigrantes. E temos de aceitar isso antes de, finalmente, erguermos a cabeça e enfrentarmos a realidade — seja para mudá-la ou para simplesmente sobreviver.

“O Castelo dos Sonhos” está disponível no site Cinema Virtual.

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