Protetores do Planeta Terra (2024), de Anne de Carbuccia

Letícia Magalhães
Cine Suffragette
Published in
5 min readMar 23, 2024

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Uma jornada pessoal pode servir para fazer com que todos reflitam sobre o presente e, sobretudo, o futuro? Com certeza. Já vimos muitos exemplos disso no cinema de ficção, com narrativas pessoais que se tornam universais. Isso também pode acontecer no documentário: é o caso de “Protetores do Planeta Terra”.

A artista visual Anne de Carbuccia, entre uma exposição e outra, singra o mundo fazendo instalações com os mesmos objetos, que simbolizam vida, morte e o passar do tempo. Ela cresceu ouvindo as histórias de Jacques Cousteau, amigo do pai dela, e agora compartilha conosco as próprias aventuras. Em suas viagens para tirar estas fotos — que chama de “instalações” –, ela conhece ativistas, especialistas e outras pessoas ligadas à preservação ambiental.

No Nepal, de onde nascem rios importantes que abastecem 1,3 bilhão de pessoas na Ásia, Anne atrela a perda cultural à perda de territórios pelo derretimento dos cumes nevados de montanhas: ao terem de se deslocar por causa das mudanças climáticas, os nepaleses se aculturam. No Peru, junto a um guarda florestal indígena, ela cobre uma área desmatada da Amazônia que se transformou em plantação de folhas de coca. Na Sibéria, onde se localiza o lago de maior volume do mundo, ela se depara com um imenso incêndio florestal e precisa voltar dois anos depois para ver as consequências. No México, conhece jovens que monitoram o oceano e toda a vida marinha. Por onde passa, procura ouvir mais do que falar, e junto a ela nós aprendemos.

Conforme Anne montava suas exposições, conhecia pessoas que a convidavam para visitar suas comunidades e lhe apresentavam estes jovens ativistas, que foram batizados pela artista de “Protetores do Planeta Terra”, dando título ao documentário. Sobre o movimento de descoberta destas pessoas, Anne declara:

“Comecei a visitar cada vez mais lugares remotos que são quase impossíveis de chegar sem um morador local ou um guia: é preciso ser convidado ou ter bons contatos por lá. Eu conhecia pessoas nas minhas exposições ou alguém via a arte e depois me convidava para ir ao seu país. Foi assim que criei esta rede única de amigos e aliados. Sem eles eu nunca teria criado minha arte naquelas terras distantes. Por meio destas experiências, um padrão começou a tomar forma: a vida destes jovens que amavam a sua região e cultura e agiam para protegê-las. Suas histórias tornaram-se maiores do que a única narrativa da arte. Eles também foram um exemplo tão positivo para mim que decidi que também poderiam ser para outros.”

Os mais afetados pelas mudanças climáticas são os indivíduos e comunidades chamados de “sentinelas”. O termo é auspicioso, pois também se refere aos ambientes que são linha de frente sentindo e medindo os impactos das mudanças climáticas — tais como as montanhas e praias — e outro objeto relacionado ao clima com o nome “sentinela” é o satélite Sentinel-6, posto em órbita em 2020 para medir parâmetros como o nível do mar, a velocidade dos ventos sobre os oceanos e a altura das ondas. Além disso, o nome “Climate Sentinels” batiza um grupo de mulheres cientistas que pesquisam o efeito das mudanças climáticas no Ártico.

As mudanças climáticas, nos anos vindouros, criarão milhões de refugiados climáticos. Muitos já estão migrando por esta questão, uma movimentação da África para a Europa que aumenta ano após ano, constata Anne ao acompanhar a crise dos refugiados. A crise climática cria refugiados distintos daqueles que escapam de crises políticas porque não há fim ou melhora para a crise climática: ao contrário da crise política, ela não termina e o território fica bom novamente para o refugiado voltar para casa. Segundo a ONU, mais de 21 milhões de pessoas migram por questões climáticas todos os anos, em geral escolhendo ficar dentro do próprio país, em áreas menos afetadas pelas mudanças climáticas. Este número pode chegar a 200 milhões de migrantes por ano, se não forem tomadas providências.

O documentário traz a informação que ingerimos cinco gramas de plástico por semana — o equivalente a um cartão de crédito. Estes pedaços de plástico com menos de cinco milímetros podem ser ingeridos ou inalados pelo ser humano e, por demorarem a se decompor, são agentes poluentes do ar, solo e em especial dos oceanos. Os efeitos dos microplásticos no corpo humano não são bem conhecidos, mas sabe-se que eles podem ser transportados pela corrente sanguínea — microplásticos já foram encontrados inclusive em placentas! — e liberam toxinas por onde passam e nos órgãos em que se alojam.

Uma das ativistas entrevistadas, Dasha da Rússia, diz que muitas vezes as pessoas não prejudicam a natureza porque querem, mas sim porque não pensaram nas consequências de seus atos. Conscientizá-las seria, nas palavras de Dasha, um movimento sutil de mudança. Essa conscientização vem sendo feita sobretudo por jovens, sendo a sueca Greta Thunberg o exemplo máximo. Outra jovem que faz greve pelo clima é entrevistada no documentário: Alexandria Villaseñor, que fundou a Earth Uprising, movimento de jovens por educação e justiça climáticas.

A maioria dos protetores entrevistados por Anne é do sexo feminino. Cabe aqui falar em ecofeminismo: o termo criado nos anos 70 pela francesa Françoise d’Eaubonne remete à luta dupla pelos direitos das mulheres e por uma vida mais sustentável. As mulheres são mais afetadas que os homens pelas mudanças climáticas, embora em geral tenham menos “culpa” por elas: é o patriarcado que destrói o meio ambiente, portanto combatâ-lo e achar uma forma de superá-lo é lutar pela preservação dos ecossistemas.

No documentário, Anne pisa na bola ao relacionar os problemas do México somente com “traficantes”. Ela fala de uma perspectiva do Norte global e não esconde isso — ela inclusive menciona isso três vezes. Anne não é cineasta — dirigiu apenas dois curtas e parte de outro documentário — e usa a arma que tem para conscientizar, tanto é que ela pergunta algo ao final que pode parecer bobo ou mesquinho, mas que mostra que luta com o que conhece: o que as próximas gerações terão para fotografar se as mudanças climáticas continuarem na velocidade atual?

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