Provando que The Handmaid’s Tale não é ficção científica — é um sinal de alerta (Primeira temporada)

Letícia Magalhães
Cine Suffragette
Published in
7 min readMay 3, 2019

--

(Imagem via Pinterest)

A série, baseada em um livro de Margaret Atwood, ganhou diversos prêmios e foi elogiada pela fotografia, performances, direção (a maioria dos episódios é dirigida por mulheres! Viva!) e também, infelizmente, por causa da importância dos assuntos tratados, uma vez que enfrentamos incertezas, misoginia e uma onda conservadora na política atual.

Em mais de uma ocasião, “The Handmaid’s Tale” provou que não é apenas uma simples série à qual alguém assiste para esquecer seus problemas. É uma série para mantê-lo atento, e por vezes lhe dar pesadelos por causa dos horrores do mundo real. A série apresenta as questões e ameaças enfrentadas por mulheres e pessoas LGBT todos os dias, em todos os países do mundo, e nos manda um aviso: Gilead pode não ser um cenário de distopia, mas nossa realidade em um futuro próximo.

E aqui vemos os sinais de alerta que a série nos deu na primeira temporada — junto com links de notícias para que ninguém possa nos acusar de espalhar fake news sobre a péssima situação atual do mundo em que vivemos.

(Via Hyung86 no Reddit)

Primeira temporada

Episódio 1:

Conhecemos os muitos horrores de Gilead — todos eles justificados como parte de algo sagrado, incluindo o estupro socialmente aceito naquilo que é conhecido como “a cerimônia”. Gilead é um lugar no qual as mulheres não têm poder algum, e as ruas, por onde elas andam em pares, usando uniformes vermelhos, são cheias de vigilantes. Em um paredão, corpos pendurados. Um dos cadáveres é de um homem gay, o segundo de um padre católico e o terceiro de alguém que fazia abortos.

Crimes contra LGBTQs são cada vez mais comuns. A intolerância religiosa também. Ativistas por direitos reprodutivos das mulheres, em especial pró-aborto, são ameaçadas de morte — em alguns países, os “pró-vida” já mataram médicos que trabalham em clínicas de aborto legal. Donald Trump disse que deveria haver punição para mulheres que procuram um aborto. E a ministra dos direitos humanos e da família (patriarcal heteronortmativa e conservadora, precisamos reforçar) quer um “Brasil sem aborto” — ou melhor, um Brasil sem aborto legal, só com a clandestinidade como opção.

Talvez Gilead não esteja tão distante de nós.

Episódio 2:

Nenhum paralelo com a vida real — por enquanto — mas somos apresentados a esta bizarrice:

O ritual do nascimento em Gilead (Imagem: reprodução)

Episódio 3:

Este foi o episódio que me deu um nó na garganta e me fez perceber que estamos a um passo de Gilead. Eu tive de parar de ver a série por algum tempo para refletir. E percebi que eu não podia fechar meus olhos para a verdade e teria de prosseguir, não importando quão desconfortável fosse.

Em um flashback, é mostrado como, em um primeiro momento, as contas bancárias, propriedades e trabalhos das mulheres foram retirados delas. Não devemos nos esquecer de que, em tempos de crise e tormenta, os direitos das mulheres — incluindo o direito à propriedade, outros conquistados recentemente, e em especial os direitos reprodutivos — são os primeiros a ser questionados e retirados.

(Imagem: reprodução)

Mais tarde, June (Elisabeth Moss) e sua amiga Moira (Samira Wiley) vão protestar nas ruas contra a retirada destes direitos. O protesto é reprimido violentamente com tiros. O pânico domina. Foi aí que eu percebi o quão perto estamos de Gilead, em especial com a polícia truculenta do país e as comuns repressões e tumultos em protestos.

No presente, a aia Emily (Alexis Bledel) testemunha um julgamento no qual uma “traidora de gênero” (uma pessoa LGBT) é condenada à morte. As “leis” usadas para acusá-la são na verdade versículos da Bíblia. Na vida real, a maioria dos homofóbicos citam a Bíblia para tentar provar que a homossexualidade é errada. Além do mais, ser homossexual é um crime passível de pena de morte em seis países. No final, Emily tem o clitóris decepado. A mutilação genital feminina ainda é comum em muitos países, onde isso é considerado “tradição”.

Episódio 4:

June / Offred é mandada a um médico, que diz que o Comandante Fred (Joseph Fiennes) provavelmente é estéril, e por isso June ainda não engravidou mesmo depois de diversas cerimônias. Muitos homens ainda culpam suas esposas quando o casal não consegue ter filhos, como se ser estéril fizesse deles “menos homens”. Então, o médico faz uma “oferta” para ajudar June a engravidar — tal qual Roger Abdelmassih.

As aias são ensinadas a fazer o “trabalho” delas pela Tia Lydia (Ann Dowd). A academia de aias bem parece uma “Escola de Princesas”, aquele empreendimento que ensina às meninas valores, etiqueta, abstinência e habilidades “essenciais” tais como cozinhar e costurar. Em muitos locais, em especial entre os republicanos norte-americanos, a educação sexual foca apenas em abstinência, e muitos conservadores preferem ensinar a seus filhos em casa tendo como base a Bíblia e a educação para criar mulheres servis. E são justamente os religiosos que mais pressionam para que o homeschooling seja permitido no Brasil, e a lavagem cerebral comece desde cedo em casa.

À noite, o Comandante conta a June que a aia anterior cometeu suicídio porque ela não pôde suportar aquele modo de vida. Muitas mulheres que são abusadas e não conseguem apoio de familiares e amigos acabam se matando. Uma pesquisa aponta que 13% das vítimas de estupro tentam suicídio.

Pelo menos este episódio nos ensinou a icônica frase:

(Via Brett Valls no Dribbble)

Episódio 5:

O momento mais chocante do episódio é quando o comandante diz estas palavras para June: “Agora vocês têm respeito, vocês têm proteção, vocês podem finalmente cumprir seu destino biológico em paz,” “Filhos — e o que mais seria?”.

Infelizmente, muitas pessoas — incluindo a ministra Damares Alves — ainda acreditam que todas as mulheres têm a maternidade como destino, e não veem que a maternidade deve ser uma escolha.

Ah, e ele termina a conversa dizendo que ajudou a construir um mundo melhor, mas que “melhor nunca significa melhor para todos”. Parece que alguém sempre tem algo a perder. Em Gilead — e no governo do novo presidente do Brasil — todos que não são homens brancos heterossexuais têm algo a perder.

Episódio 6:

É mostrado que Serena Joy (Yvonne Strahovski) apoiou completamente os planos do marido, e por causa disso ela também ajudou na gênese de Gilead, e escreveu algumas das regras da nova sociedade. Não é incomum vermos mulheres votando em candidatos misóginos — ou seja, votando contra seus próprio interesses — e apoiando os homens de suas vidas mesmo quando eles fazem algo muito errado.

A mesma coisa — mulheres trabalhando contra elas mesmas — acontece quando a embaixadora mexicana não leva em conta as denúncias de June sobre a realidade de Gilead porque a taxa de natalidade no México está em queda. A embaixadora quer replicar o método Gilead no México, talvez até com a importação de aias. As mulheres são comumente tratadas como objetos, e são as maiores vítimas de tráfico humano.

Episódio 7:

Este episódio é focado em Luke (O-T Fagbenle), marido de June. O episódio mostra a importância de uma resistência organizada.

(Via Pinterest)

Episódio 8:

Era ÓBVIO que Gilead, a terra da decência, tinha de ter um bordel! E era MUITO ÓBVIO que os Comandantes, os paladinos da Bíblia, da moral dos bons costumes, os maiores cidadãos de bem, têm esse bordel como ponto de encontro exclusivo! Lembremo-nos de que conservadorismo de costumes não significa necessariamente levar uma vida de hábitos irrepreensíveis. Por isso o Brasil é o principal destino de turismo sexual na América Latina. E o presidente do Brasil ainda parece querer incentivar a prática.

E o Comandante Fred é ousado a ponto de levar June consigo ao bordel — e, de acordo com um flashback, ele provavelmente também levou a aia anterior lá, e este foi o catalisador para o suicídio dela. Em uma república distópica ou no mundo real, todos os conservadores que defendem a família patriarcal têm uma coisa em comum: são hipócritas.

Episódio 9:

Em caso de opressão, seja como Moira.

Episódio 10:

A parte mais difícil de ver neste episódio é a tortura psicológica que Serena faz com June ao mostrar a filha de June, Hannah, vivendo em um local diferente, sendo doutrinada como uma filha de Gilead. Eu imagino que a expressão de June quando ela percebe que não pode tocar ou salvar sua filha é muito semelhante às expressões nos rostos dos imigrantes quando seus filhos são separados deles na fronteira.

Mas falaremos mais sobre isso na segunda parte.

(Via @carolito.hq no Instagram)

--

--