Quando eu me encontrar (2023), de Amanda Pontes e Michelline Helena

Letícia Magalhães
Cine Suffragette
Published in
4 min readSep 18, 2024

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Estamos tão acostumados à ideia de o “autor” do filme ser seu diretor — ou mais recentemente de a autora do filme ser sua diretora — que quando nos deparamos com uma dupla de diretores isso nos causa espanto. Perguntamo-nos qual parte do filme cada um dirigiu, e se não houve brigas entre eles — perguntas inúteis frente a um processo criativo que é único para cada dupla. É uma dupla de diretoras estreantes em longas-metragens que assina “Quando eu me encontrar”, um filme sobre ausências.

Dayane foi embora. Deixou a mãe Marluce (Luciana Souza), a irmã mais nova Mari (Pipa) e o namorado Antônio (David Santos). Cada um dos três, a seu modo, precisa elaborar um tipo único de luto: aquele que se estabelece com a pessoa ainda via. Marluce tenta seguir a rotina de dona de casa e cozinheira, Mari navega as águas turbulentas da adolescência e Antônio se enfraquece, deixando de render no trabalho na sapataria e indo atrás da amiga de Dayane, Cecília (Di Ferreira), para perguntar de maneira um pouco truculenta sobre o provável paradeiro da moça.

O desaparecimento de Dayane leva Marluce a procurar a própria mãe, Yolanda, de quem é bastante distante. Marluce escolheu, ainda criança, ir morar com a avó, o que causou um desentendimento entre ela e a mãe que permanece em parte — a outra parte virou mágoa. As duas não chegam a um acordo sobre uma reaproximação, mas na volta para casa de Marluce o que preenche a trilha sonora é uma canção sobre o cuidado extremo de uma mãe, que deseja que a filha — “curuminha” — volte para o ventre, que era local seguro.

A melhor amiga de Mari, Ana Paula, numa festa a que as duas vão, aceita ficar com um menino e na hora H muda de ideia. A reação dele não é vista, mas compreende-se que foi ruim, pois ela sai como um furacão da festa e no dia letivo seguinte não vai à escola por medo de o menino ter espalhado o que aconteceu para a geral. Consciente, Mari retruca: “você não é obrigada a nada, amiga”. Consentimento é algo que pode ser dado e retirado a qualquer momento, e a reação necessária é sempre o respeito à decisão. Esse episódio surge como um interlúdio no filme, mas proporciona uma boa reflexão.

Dayane é como Rebecca do filme homônimo de Alfred Hitchcock — baseado no romance de Daphne du Maurier, que pode ser cópia de “A Sucessora”, da brasileira Carolina Nabuco. Tanto Rebecca quanto Dayane não aparecem em cena, mas tudo gira em torno delas — melhor dizendo, da ausência delas. Não se sabe para onde Dayane foi, mas o que importa é a reação de quem fica.

“Quando eu me encontrar” é um filme orgulhosamente cearense. Só no bem-humorado Ceará se encontram cuecas “Kalvin Klay”. Só no Ceará se ouve alguém falar “massa” e outras tantas coisas com aquele sotaque delicioso. Como dito por um usuário do Letterboxd, só no Ceará existe um entendimento de mundo que permite que os personagens enfrentem a ausência sem afetação.

Amanda Pontes e Michelline Helena dirigiram alguns curtas, bem como roteirizaram o bem-sucedido “A Filha do Palhaço”, também sobre ausência, sempre ganhando muitos prêmios por onde seus filmes são exibidos. “Quando eu me encontrar” surgiu a partir de uma personagem secundária do curta “Do que se faz de conta” (2016) e tem como protagonistas pessoas comuns, conforme declaram as diretoras:

“O filme fala de pessoas comuns, que vivem dramas cotidianos e que manejam suas vidas em meio aos percalços da vida real. Muita gente assiste e comenta conosco que se viu em algum personagem ou situação, então acreditamos que a conexão do público se dá justamente por se enxergar naqueles personagens”

No quarto vazio, um quadro na parede de um palhaço triste, um ventilador abaixo dele, um par de All Star jogado no chão. Manter intacto o quarto de quem se foi pode significar que o luto não está sendo bem elaborado. Seguir em frente é preciso, por mais doloroso que pareça. É imperativo, mas cada um o faz à sua maneira. E ali reside a beleza da diversidade humana.

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