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Revisitando ‘Bye Bye Brasil’ 42 anos após o seu lançamento

Bye Bye Brasil é um filme de 1980 dirigido por Carlos Diegues. Foto: Reprodução

O Road movie é um gênero cinematográfico derivado de clássicos da literatura como Odisseia de Homero e Pé na Estrada de Jack Kerouac. O gênero ganhou um boom na chamada New Hollywood das décadas de 60 a 80 com produções como Easy Rider, Bonnie and Clyde, Badlands e The Vanishing Point. Mesmo com obras importantes de décadas anteriores como Hitch-hiker de 1953 de Ida Lupino, elas majoritariamente protagonizavam homens brancos e suas crises existenciais diante do não-conformismo com os valores impostos dos Estados Unidos em períodos de abalos e recuperações socioeconômicas. No entanto, outras regiões do mundo atravessavam conjunturas diferentes, assim como reações a elas, apesar de influências norte-americana. Aqui no Brasil, devido ao seu processo histórico de colonização de exploração, as regiões Norte e Nordeste foram menos valorizadas do que as outras, e durante o período da ditadura militar, a exploração de madeira e minérios fez parte das políticas nacionalistas no Norte, levando à dizimação de povos indígenas, e A Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) teve seu direcionamento e orçamento alterados e outros programas nacionais tinham medidas paliativas, sem um foco na real redução das desigualdades sociais. Além do mais, os pobres e famintos eram silenciados da história oral e escrita, sendo que Josué de Castro, autor de Geografia da Fome, teve seus direitos políticos cassados e foi destituído do cargo de embaixador que exercia em Genebra após o primeiro Ato Institucional. Foi dentro do período de insurgência de uma nova seca, denominada de “a seca do século”, que se estendeu de 1979 até 1984, que o diretor pioneiro do Cinema Novo brasileiro, Carlos Diegues, também conhecido como Cacá Diegues, registrou um dos filmes mais importantes e reveladores de um Brasil do seu e à frente do seu tempo.

Bye Bye Brasil traz a história de dois casais que se estranham, se relacionam e se encontram no mesmo barco, ou melhor, mesmo caminhão, em busca do seu canto ideal no Brasil. De um lado, o mágico Lorde Cigano, interpretado pelo eterno José Wilker no seu melhor papel, e a dançarina de rumba “internacional” Salomé, interpretada pela diva Betty Faria. Juntos, eles levam suas performances para áreas marginalizadas do Nordeste com a sua Caravana Rolidei, que também conta com o “homem mais forte do mundo”, Andorinha (Príncipe Nabor). Do outro, no sertão, temos o sanfoneiro que sonha em conhecer o mar, Ciço (Fábio Jr.) e sua namorada grávida Dasdô (Zaira Zambelli), que convencem como casal ingênuo. Seus caminhos se cruzam quando através de um número de mágica no qual Lorde Cigano faz “nevar” no sertão e solta a máxima que dita uma das mensagens mais importantes do filme:

José Wilker como o irreverente Lorde Cigano. É seu personagem que entrega o ótimo humor do filme. É ele também que dita seu ritmo. Foto: Reprodução

O casal do sertão presencia o espetáculo com Dasdô revelando que a neve era na verdade coco ralado, e Ciço deslumbrado com a sedutora Salomé. E é essa paixão de Ciço que o leva a ir atrás da Caravana e pedir para fazer parte dela tocando sua sanfona. Na cena seguinte vamos os personagens tomando Coca-Cola e o refrigerante é uma das tantas referências que aparecem no longa como a imposição do estrangeiro na época da ditadura. O próprio nome ambíguo Rolidei, que era pra ser Holiday (feriado em inglês) — e que rende uma das cenas mais engraçadas do filme quando Lorde Cigano percebe o erro — mostra isso, mas de tal forma que o estrangeirismo era percebido diferente pelas classes baixas. O título Bye Bye Brasil denota essa transição do país com a divisão do termo inglês e o nome do país em Português, e na sua ideia de deixar o velho Brasil para trás. Voltando à ideia inicial sobre filmes Road, Bye Bye Brasil foge ao ideal implementando pelo cinema Hollywoodiano ao focar nas facetas marginalizadas e a não ter um protagonista em busca de um significado para a sua vida. O que temos são vários protagonistas que são condicionados pelas transformações sociais, sem espaço para uma liberdade que possa escapar a tudo que estava acontecendo.

A “espinha de peixe”, como Lorde Cigano denomina as novas antenas de TV, se apresenta como grande obstáculo para continuar atraindo público. A chegada da nova tecnologia, que na verdade já existia no Brasil há mais de duas décadas, demarca a desigualdade social no país quando apenas uma televisão era posta por um membro da prefeitura na praça da cidade do interior, sendo instrumento de propaganda política em detrimento a investimentos em carências mais urgentes. A distância entre a realidade “atrasada” do interior com grandes cidades também se evidencia na exibição da novela Dancin’ Days, que era inspirada pela Disco Music norte-americana e retratava a classe média. Com a população hipnotizada pela nova tecnologia e não mais pelo show de mágica — algo que já ditaria como novas tecnologias tornam as antigas obsoletas — a caravana abre um novo capítulo na sua odisseia e parte para a terra dita prometida, Altamira, no norte do país.

A travessia até o paraíso em Bye Bye Brasil não tem nada de heroica já que o progresso prometido era o da desordem. Foto: Reprodução

A construção da Transamazônica foi o símbolo do fracasso do projeto de integração da ditadura militar brasileira, causando desmatamento e extermínio de povos indígenas. Em Bye Bye Brasil, a estrada cheia de lama e buracos atravessada pela caravana não é muito diferente da de hoje. Ela parece refletir os caminhos tortuosos e por vezes anacrônicos que nosso país levou. A trupe era agora um quinteto com o nascimento da filha de Dasdô e Ciço, nomeada Altamira pelo Lorde Cigano. Mas a esperança de um futuro promissor só poderia recair sobre a garota, porque o que estava reservado para eles era o submundo da prostituição e contrabando. Dasdô, Ciço e Altamira vão tentar uma vida melhor em Brasília, a recente capital do Brasil, mas são despejados na periferia, conduzidos pela assistente social interpretada por Marieta Severo. E era esse o resultado dessa transição do projeto avassalador de integração nacional que ao abrir novas estradas e estimular a urbanização, só aumentou as mazelas sociais, e Bye Bye Brasil, que termina com a mensagem de que é um filme dedicado ao século XXI, é tanto um filme do passado quanto do presente porque mesmo com a retomada à democracia nos anos 80, o Brasil ainda não aprendeu com sua História, e mesmo com o período político nos anos 2000 em que se tentou reparar a desigualdade social, o país também parece tê-lo apagado da memória. Porém, assim como Lorde Cigano visualiza a chegada de um novo nascer do sol, também podemos fazer como ele.

Ademais, Bye Bye Brasil merece ser lembrado como um filme de resistência já que o cinema também tem histórico de desvalorização no país e seu desmonte é a tentativa de apagamento de uma das formas de expressão cultural mais contestadoras e identitárias.

Bye Bye Brasil é a música tema do filme por Chico Buarque que emociona tanto pelo seu belo arranjo quanto pela sua atualidade.
Em homenagem aos 60 anos de carreira de Cacá Diegues, o grupo Estação NET Botafogo exibiu o filme em 35 mm e como Bye Bye Brasil é meu filme preferido nacional, não pude deixar de conferir. Essa foto foi tirada por mim após o bate-papo entre Mair Tavares, Betty Faria, Cacá Diegues, Lucy Barreto e Ziara Zambelli.
Também tive a sorte de conhecer Cacá e Betty e nosso amor e luta pelo cinema há de vencer esse desmonte.

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Larissa Oliveira

Brazilian writer, teacher and zinester. Articles related to cinematic content. I also write for https://medium.com/@womenofthebeatgeneration_