Tudo o que você podia ser (2024): amigos são a família “queer” gente escolhe

Letícia Magalhães
Cine Suffragette
Published in
3 min read5 days ago

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Há dez anos nos empurraram goela abaixo um filme que foi chamado de “narrativa universal”. Em quase três horas de projeção, víamos o tempo passar para um menino norte-americano dos subúrbios, tornando-se um jovem ao final da película. Trata-se, obviamente, do filme “Boyhood”, filmado ao longo de 12 anos por Richard Linklater — e que de universal não tem nada. O filme não ressoou comigo, mulher latino-americana, e provavelmente também não ressoa com a comunidade LGBTQ+. Hoje, podemos mais que há dez anos. E por isso clamamos por mais representatividade e diversidade nas telas. E não apenas elencos diversos: também histórias diversas. Atores LGBTQ+ podem e devem fazer mais que filmes sobre sair do armário ou dramas em que a morte é o único final possível. Por que não temos um filme sobre um grupo de amigos queer curtindo a vida? Se é isso que você quer, temos o filme certo: “Tudo o que você podia ser”.

Essa é a história de quatro pessoas amigas. Uma está prestes a sair de Belo Horizonte e ir para São Paulo estudar. Os estudos levarão a segunda à Alemanha para um doutorado. A terceira trabalha fazendo bingos via Zoom para velhinhos. E a quarta foi diagnosticada com HIV, mas para ela e para nossos tempos esta não é mais uma sentença de morte. A mãe dela não aceita que a filha é trans, se considera culpada por isso e arremata com um pedido impossível: “A única coisa que eu quero é meu filho de volta”.

Interpretando as quatro pessoas amigas temos Aisha Brunno, Bramma Bremmer, Igui Leal e Will Soares. Elas compartilham com suas personagens mais do que o próprio nome. Trata-se, percebe-se, de um filme que mescla ficção e documentário, e da vida real das intérpretes saiu muita inspiração. O improviso foi bem-vindo no set, com cada atriz contribuindo com suas vivências e pensamentos para criar na hora alguns diálogos.

Este ainda é um mundo cruel para a população LGBTQ+. É um mundo em que as mães não aceitam seus filhos e em que é preciso saltar do ônibus antes da parada para fugir de provocações homofóbicas. Mas também é um mundo em que amigos são a família que a gente escolhe e com eles encontramos diversão, aconchego e alento. Inserido dentro daquilo que se chamou de “política dos afetos” — em contraponto à necropolítica que tomou conta do poder oficial muito recentemente — o filme trata de amizade, laços, resiliência e pertencimento. Porque é entre os amigos verdadeiros que nos sentimos à vontade para sermos quem realmente somos.

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