“Um Dia de Cada Vez” e uma história sobre sair do armário

Letícia Magalhães
Cine Suffragette
Published in
4 min readMay 27, 2017

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Elena (Isabella Gomez) e Penelope (Justina Machado) (Imagem: reprodução)

Este artigo contém spoilers da série “Um Dia de Cada Vez”, da Netflix. Se você ainda não acabou a primeira temporada, pense bem antes de continuar a leitura.

A Netflix tem em seu catálogo diversas séries alinhadas com o pensamento liberal e que são um retrato da diversidade. Uma das melhores séries originais do serviço de streaming é “Um Dia de Cada Vez”, o reboot de uma sitcom de sucesso dos anos 70. A nova série pegou a premissa da sua antecessora e desenvolveu uma galeria de excelentes personagens, criando episódios que lidam com as questões do nosso tempo e trazem à tona discussões necessárias.

No episódio 8 da primeira temporada, Elena (Isabella Gomez), a filha mais velha de Penelope (Justina Machado), uma enfermeira do exército recém-divorciada, conta para o irmão mais novo, Alex (Marcel Ruiz), que ela gosta de garotas. Naquele momento ela está confusa e ainda não sabe se é lésbica ou bissexual. No mesmo episódio, Alex conta o “segredo” de Elena para o vizinho — e única figura masculina da série — Schneider (Todd Grinnell).

Dois episódios depois, Elena se assume para a mãe. No episódio 11, ela conta que é lésbica para a avó Lydia (Rita Moreno). Na season finale, ela se assume para o pai, quem ela não via há mais de um ano. As reações são diversas.

Elena se assume para o irmão (Imagem: reprodução)

Penelope tenta apoiá-la, mas tem problemas de aceitação. Todos pensavam que Lydia não reagiria bem à notícia por ser uma católica devota, mas ela aceita bem a novidade. Victor, por sua vez, não aceita nada bem a notícia.

Lydia tem o discurso mais notável sobre aceitar sua neta. Embora bem-humorado — afinal, trata-se de uma série de comédia — é um discurso inspirador. Lydia se refere ao que o Papa Francisco disse uma vez sobre os homossexuais e, como o Papa é o elo entre Deus e os católicos, isso significa que Deus também quer que o mundo aceite e acolha os homossexuais. E há mais: Lydia aceita Elena como ela é porque a ama.

E esta é a lição mais importante da primeira temporada da série. Nós não nascemos sabendo os dogmas de uma religião: é com o tempo que estes dogmas nos são ensinados por nossas famílias. E nós não nascemos sabendo odiar quem é diferente. Nós só nascemos sabendo amar. E às vezes precisamos apenas disso: de esquecer o que aprendemos, seguir nossos instintos, e somente amar.

Penelope e Lydia (Rita Moreno) (Imagem: reprodução)

A dificuldade de aceitação por parte de Penelope é mais tarde explicada: ela tinha muitas expectativas com relação a Elena. Penelope sonhava em trocar confidências com a única filha sobre os namoradinhos. É óbvio que elas ainda podem fazer isto, como de fato acontece quando elas comentam sobre o novo namorado de Penelope no mesmo episódio. Isso nos faz lembrar das expectativas que os pais criam para seus filhos e que podem se tornar fardos para ambos, pais e filhos.

Victor é, no último episódio da primeira temporada, um babaca em relação à sexualidade de Elena. Primeiro ele diz a maldita frase: “é só uma fase”. Depois ele diz que a filha deve estar confusa e em breve vai se esquecer desta “ideia”. Então ele culpa Penelope, a mãe solo, porque “ela deixou isto acontecer”. Ele chega ao ponto de dizer que “ser gay é moda agora, por isso Elena decidiu que queria ser gay”. Penelope retruca: “com certeza, ela escolheu sofrer muito bullying e preconceito porque está na moda!”.

Muitas pessoas criticaram o fato de Elena ser construída como um grande estereótipo: ela é a nerd feminista que luta por justiça social E que é lésbica. Eu discordo com essa ideia de estereótipo. Se Elena não fosse uma mulher inteligente e feminista, ela não se assumiria na adolescência. Ela esperaria sair de casa para se assumir, ou pior: por vir de uma família religiosa, ela poderia se punir por ser diferente, por pensar em “pecado”. Se ela não fosse esclarecida e inteligente, ela não aceitaria a si mesma, e não seria capaz de se assumir em busca da aceitação de seus entes queridos.

Elena em sua festa de quinze anos (Imagem: reprodução)

“Um Dia de Cada Vez” nos traz discussões muito mais profundas do que esperamos quando nos sentamos para ver a série. Para ver os 13 episódios da primeira temporada, fique preparado, talvez com uma caixa de lenços por perto. Ah, e com a mente aberta também.

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