Where are my children? (1916), de Lois Weber
O que esperar de um filme que começa com um aviso de que trata de controle de natalidade, e logo depois apresenta os portões do Céu cheios de almas de crianças que esperam para nascer? O que esperar quando essas crianças são classificadas como “acidentais”, “indesejadas” e “vindas com reza”? O que esperar quando, aos três minutos e meio de projeção, descobrimos que o protagonista acredita na eugenia (!?!)? “Where are my children?” é um filme difícil de ser julgado — não apenas por questões de anacronismo e a quase abismal diferença que cem anos fazem na sociedade. É difícil julgar porque as intenções da diretora Lois Weber eram boas, mas o resultado foi estranho.
Um médico que carrega livros sobre controle de natalidade é julgado por “indecência” — situação inspirada em um caso real que aconteceu em 1915. No tribunal e no júri, apenas homens brancos. Um deles é o promotor Richard Walton (Tyrone Power Sr, pai do popular ator dos anos 40), um entusiasta da eugenia e também das grandes proles.
Enquanto isso, a esposa do promotor, Sra. Walton (Helen Riaume, esposa de verdade de Tyrone e comumente creditada como Sra Tyrone Power) indica um médico para uma amiga que quer “escapar da maternidade”. Ainda hoje, enquanto os homens estão discutindo sobre assuntos e condutas que em nada lhes dizem respeito, as mulheres abortam. Ele até vê o controle de natalidade com bons olhos — se usado apenas entre os pobres!
O medo de realizar um aborto clandestino é evidente, inclusive com uma figurante escondendo o rosto na clínica. Isso é uma representação real. Por outro lado, temos a ideia bizarra e piegas de que a alma do feto abortado volta para o céu com uma marca de serpente, representando seu status inferior.
Mais tarde, a Sra. Walton recomenda novamente o médico para seu irmão, que engravidou a filha da empregada. Neste caso, entretanto, há um imprevisto: a moça morre após o aborto clandestino, e o médico é levado a júri pelo próprio Sr Walton, que fica em choque ao descobrir que sua esposa indicava os serviços do médico porque ela própria já os havia usado algumas vezes.
Há, obviamente, alguns conceitos muito errados sobre a maternidade, que ainda estamos lutando para desconstruir. A maternidade é vista como uma dádiva divina, que só as mulheres puras podem experimentar. A mulher que não deseja ter filhos é vista como egoísta ou “festeira demais” — o termo exato usado no filme é “social butterfly”. Isso tudo é irônico, considerando que a própria diretora Lois Weber não teve filhos.
Se a ideia do filme, como mostrado no próprio aviso antes da exibição, é tratar de controle de natalidade e planejamento familiar, ele acerta no subentendido: se o casal Walton tivesse simplesmente dialogado, ele saberia que ela não queria ter filhos. Colocar o diálogo como uma forma de controle de natalidade é válido, mas é complicado em contextos demasiado patriarcais, como o ano de 1916 e, infelizmente, algumas famílias ainda hoje.
Qual a mensagem que “Where are my children?” quer passar? Aborto não deve ser considerado uma forma de controle de natalidade, mas isso é válido apenas para os ricos. Os pobres podem ter acesso aos métodos contraceptivos — mas não ao aborto, por favor. Sim, o filme consegue ser ao mesmo tempo anti-aborto e a favor dos anticoncepcionais. Ele acerta ao defender o controle de natalidade, ainda que use a eugenia como argumento, mas erra ao condenar o aborto. Mas lembre-se: em 1916 eles eram bem menos eficazes que hoje.
Apesar de ter uma moral borrada, tecnicamente o filme é bom, com algumas cenas usando efeitos especiais de double exposure. Lois Weber costumava fazer filmes sobre assuntos sociais, assim como Dorothy Davenport. Seu mais conhecido filme é “Suspense”, de 1913. Lois foi uma grande cineasta, com inventividade e domínio técnico, mas que, em “Where are my children?” se perde em sua justificativa. Ela deu, ao menos, o pontapé inicial para dialogar sobre planejamento familiar — um diálogo que continuou sendo ignorado por Hollywood até 60 anos após o lançamento de “Where are my children?”.
O que não podemos é perder a noção de que chegamos longe, mas precisamos continuar lutando para que aqueles que querem trazer de volta a mentalidade de 1916 não vençam.