Punishment Park, 1971

Felipe
cinetorio
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5 min readOct 30, 2018

A composição desse texto traz informações sobre seu enredo, não leia se não tiver assistido.

★★★★★★★★★

Informações técnicas

Título Original: Punishment Park
Ano de Lançamento: 1971
Direção: Peter Watkins
País de Produção: EUA
Idioma: Inglês
Duração: 88 min

Sinopse

“Punishment Park” é um pseudo-documentário em forma de cobertura de imprensa de um grupo de soldados escoltando hippies e individuos anti-sistema pelo deserto em uma espécie de jogo. Os soldados deveriam não interferir no progresso dos rebeldes e apenas acompanhá-los até seu destino. Conforme os representantes da contracultura dos anos sessenta se aproximam de terminar esse teste arbitrário, os soldados ficam cada vez mais hostis.

Utilizando o formato de documentário, o filme escrito e dirigido pelo inglês Peter Watkins, consegue criar uma atmosfera seca e hostil em meio ao calor do deserto. Essa é uma das especialidades do cineasta, que inclusive venceu a categoria de Melhor Documentário na edição de 1966 do Oscar, com o filme “The War Game” (1965), gerando uma grande controvérsia, tendo em vista que é ficcional, ocasionando mudanças na categoria para não ocorresse novamente.

Aqui, em “Punishment Park”, temos o vislumbre de uma arbitrariedade paranoica vinda do governo dos Estados Unidos. O filme se passa durante a guerra do Vietnã (que ocorreu de 1955 à 1975); uma das guerras mais criticadas pela população, gerando movimentos como a contracultura, que teve reflexos em diversos âmbitos sociais e culturais.

Com um decreto presidencial, pré-disposto pela constituição, o presidente possui o poder de declarar um estado de sítio aos seus habitantes, tendo a liberdade de prender, julgar e condenar, sem nenhuma prova, qualquer um que for considerado subversivo a moral, aos costumes e à segurança interna do país.

“Violence is inherent in this society. You don’t seem to understand that”

O enredo gira em torno de dois núcleos que se intercalam ao longo dos oitenta e oito minutos, provavelmente visando a composição estilística de registro documental. O primeiro mostra o julgamento das pessoas; o segundo, elas tentando sobreviver no deserto. Tudo que ocorre é documentado por uma equipe de televisão europeia, mais especificamente, britânica.

De certa forma, podemos afirmar que a obra funciona como uma alegoria. As personagens não são apenas personagens, mas representantes de um grupo social pré-determinado. No primeiro núcleo, os inquisidores são todos “representantes da sociedade”: um político, um jornalista, um trabalhador de classe média, uma mãe de família tradicional, um psiquiatra. Cada um carrega consigo um discurso específico para a classe a qual pertence. Há ainda, um advogado que, consciente da situação, não tem força nenhuma para influenciar no decorrer das coisas. Um deles, inclusive, afirma “Não fazemos isso por vingança pessoal, fazemos isso pelas pessoas que pagam impostos”.

O mesmo ocorre aos presos políticos, tendo em vista que cada um representa uma parte da resistência civil: uma estudante, um filósofo, um poeta, uma cantora marginal de classe alta, um músico, um membro dos panteras negras e um pacifista. Da mesma forma que cada um das classes dominante possuí um discurso, aqui ocorre o mesmo: fazendo discursos inflamados contra alguma opressão, sendo todos muito coerentes e corretos, mas rechaçados como “loucos” por seus algozes.

O diretor consegue, mesmo sem discutir da mesma maneira que os outros assuntos, escancarar o racismo estrutural que transcreve a situação de pessoas negras frente as instituições governamentais. O homem negro pertencente ao partido dos panteras negras, e que fomenta a mobilização social, foi um dos que menos se exaltou durante as falas feitas, mas ainda assim foi vítima da brutalidade policial; seu veredito foi de prisão perpétua. O outro homem negro, músico de jazz, recebeu a pena de 25 anos. Todos os outros, homens e mulheres brancas, receberam penas de 8 a 12 anos.

Todos tiveram a possibilidade de escolher, ou ao menos achavam que tinham, posto que era apena prevista em uma prisão federal ou três dias no Parque da Punição. Eles criam uma armadilha que força os prisioneiros a escolherem a segunda opção, afinal, dez anos ou três dias? A explicação oficial dada a eles é que o parque serve de exercício para as forças policiais e para o exército, poder treinar em situações de perseguição aos eventuais fugitivos. Se eles conseguissem terminar a caminhada de 80 km, tendo algumas horas de vantagem e com o incentivo de que no meio do caminho haveria água, seriam libertados.

Em um primeiro momento, as pessoas perseguidas encaram a atividade realmente como foi proposta, mas conforme a caminhada ocorre, há cortes para cenas em que a equipe de televisão acompanha os policiais, no período de vantagem para o grupo fugir, e é nítido no discurso e nas coisas que mostram, que há a intenção de não deixar sobreviventes. Entre demonstrações do potencial destrutivo das armas e entrevistas policiais, a explicação dada por um deles é a de que estavam prendendo muitas pessoas mais rápido do que conseguiam construir presídios, por isso inventaram o parque.

Os presos políticos, em dado momento, se dividem quanto ao que fazer. Ainda mais considerando que alguns acreditam no propósito da atividade e outros não, cindindo o grupo naqueles que a segue e naqueles que irão tentar armar um contra-ataque. Quando esse segundo subgrupo mata um policial, desencadeia uma fúria coletiva que culmina na perseguição violenta para com o resto das pessoas.

O que temos, então, é a eliminação de todo e qualquer sobrevivente, independente de resistência ou não. Em sequência, nós temos um outro movimento genial do cineasta, onde há uma quebra da quarta parede, em que a equipe de filmagens — embora já tivesse aparecido antes, assume uma função ativa frente às atrocidades cometidas e documentadas por eles. A resposta, dos policiais, frente às acusações e ameaças de exposição, reagem com indiferença, como se soubessem que não irá dar em nada.

Um dos pontos altos do filme é descobrir que boa parte do filme foi improvisada e há cenas em que claramente os ânimos se exaltam de uma maneira bastante real. Em uma leitura após a exibição, vi que inclusive o diretor escolheu atores amadores com opiniões políticas semelhantes às das personagens e, em dados momentos, teve receio de perder o controle da situação durante as filmagens.

O filme é extremamente pertinente para uma releitura na atualidade, posto uma nova ascensão de discursos que legitimam a violência contra grupos específicos, com participação e/ou validação do governo nessa perseguição. Nesse quesito, entre os avanços e os retrocessos, pouca coisa parece ter mudado em 47 anos.

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Felipe
cinetorio

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