Não Amarás, 1988

Felipe
cinetorio
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4 min readJul 23, 2018

A composição desse texto traz informações sobre seu enredo, não leia se não tiver assistido.

★★★★★★★★★

Informações técnicas

Título Original: Krótki Film O Milosci
Ano de Lançamento: 1988
Direção: Krzysztof Kieslowski
País de Produção: Polônia
Idioma: Polonês
Duração: 86 min

Sinopse

Jovem de 19 anos munido de uma luneta começa a observar a vida da sua vizinha (uma mulher madura), que mora defronte ao seu apartamento. Ele fica obcecado por ela e enquanto observa sua vida sexual (na qual o amor não existe), ele esquematiza subterfúgios para se aproximar dela. Com o tempo ele revela seu amor, mas ela o humilha e algo surpreendente acontece nesta relação.

O filme surgiu após o grande sucesso da minissérie (Decálogo) realizada para a televisão polonesa. A produção, que contém dez episódios, discute sentimentos e temas próprios a humanidade, tais como amor e desejo. Posteriormente, devido a repercussão gerada, o diretor conseguiu financiamento para transformar dois deles em longas-metragens, sendo que um deles é o combustível para a presente análise.

Não Amarás” é um filme contundente e poético, daqueles que por mais que seja uma produção datada do final da década de 1980, ainda exala um aroma de contemporaneidade. Sua força motriz está na relação entre um jovem solitário e uma mulher que mora em frente, constantemente observada por ele através de uma luneta.

Na primeira parte, a condução nos leva a conhecer ambos os personagens, mas apenas pela visão de Tomas, rapaz de 19 anos que está imerso em uma rotina dividida entre o trabalho em uma agência postal e a constante espionagem de Magda, mulher mais velha que mora em um prédio em frente ao seu. Ele rodeia ela de todas as formas possíveis: através da observação, ligações anônimas, envio de cartas falsas e, em dado momento, até entregando seu leite.

O encadeamento narrativo é extremamente competente, de forma a conseguirmos acompanhar a construção dessa paixão platônica por parte do protagonista. Nos sentimos parte de suas observações. De certa maneira, torcemos pelo êxito dessa relação imaginária.

A temática do voyeurismo, inclusive, já foi bastante trabalhada no cinema. É possível notarmos elementos semelhantes em filmes como Janela Indiscreta (Alfred Hitchcock, 1954), obra que Kieslowski, com toda certeza, bebeu em sua fonte para a produção de sua história. Aqui, não há o elemento do crime; temos então, uma dialética que culmina no desenvolvimento psicossexual do protagonista.

Em determinado momento, o filme sofre uma guinada devido a uma repentina declaração do jovem à mulher, que passa a digerir a ideia de ser observada. A sinceridade de Tomas nos surpreende, posto o conforto no qual está envolto ao apenas observá-la através da escuridão. Normalmente, o voyeurismo é acompanhado do par exibicionista. Segundo suas próprias palavras, ele não tem interesse de fazer nada com ela; por que contar?

Dessa forma, então, ele também se expõe. Ela passa a procurá-lo, conta ao homem com quem transa a respeito de um observador silencioso, vai ao seu trabalho. Aos poucos, eles assumem uma estranha relação com tons panópticos e traços de sadismo.

Por mais que tenha se materializado um contorno, as expectativas iniciais de Tomas nunca são atingidas, ocasionando um sofrimento enorme ao garoto — que tenta o suicídio, causando uma esmagadora sensação de culpa em Magda.

O ponto alto do filme está na relativização moral latente a qual os personagens estão submetidos. No desenrolar dos acontecimentos, há um limiar bem nebuloso sobre o que é certo e o que é errado. O final serve para coroar essa construção de uma história bem contada, em que a falta de certezas é apenas uma vírgula diante do todo.

Também há nele um ponto atualíssimo. Na ultraexposição da era digital, somos interpelados a interagir dessa mesma forma: a observação pela janela contém os mesmos elementos que hoje permeiam os stories e fotos das redes sociais, embora haja uma exposição muito maior pela documentação extrema de todas as ações que tomamos.

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Felipe
cinetorio

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