Benny’s Video, 1992

Felipe
cinetorio
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4 min readSep 1, 2018

A composição desse texto traz informações sobre seu enredo, não leia se não tiver assistido.

★★★★★★★★✩✩

Informações técnicas

Título Original: Benny’s Video
Ano de Lançamento: 1992
Direção: Michael Haneke
País de Produção: Áustria
Idioma: Alemão
Duração: 105 min

Sinopse

Adolescente de família rica, Benny compensa a ausência dos pais com as emoções do mundo dos vídeos. Aos poucos, sem que as pessoas percebam, seus valores e noções de realidade começam a mudar. Aproveitando que seus pais estão no campo, ele leva uma garota para passar o final de semana no apartamento. O que começa como um tímido ‘love story’ termina em catástrofe. A vida da família nunca mais será a mesma.

Dizem que na terapia, o primeiro conteúdo trazido e trabalhado é o que de fato vai dar a tônica de toda uma sessão. Aqui em “O Vídeo de Benny” do diretor e roteirista austríaco, Michael Haneke, a sensação que fica é exatamente essa. Logo na primeira cena somos levados a assistir a morte de um porco. Não é uma cena esteticamente impactante, com sangue jorrando ou grunhidos aterrorizados, mas ainda assim envolta em uma áurea de violência, atiçando o espectador a esperar cenas fortes, já que é exibida esse momento não uma vez, mas duas.

Em seguida somos levados a conhecer um pouco do contexto em que o protagonista está inserido e a rotina que leva. Da escola para casa, no percalço apenas parece frequentar assiduamente uma loja de fitas cassete; há toda uma construção imagética ao redor de Benny, que passa seus dias assistindo fitas com conteúdos, em algum nível, violentos. Quando está em casa, o contato com o mundo exterior é dado por uma câmera na janela, ao invés de permanecer com as persianas abertas para obter a mesma visão.

A família é rica, mas, pelo que parece, incapaz estabelecer laços emocionais entre eles. Há uma irmã que tem apenas uma aparição ao longo do filme para pedir dinheiro à mãe, aparentemente envolvida com algum esquema de pirâmide que, posteriormente, vemos o protagonista aplicar em seus colegas de escola. Além disso, em dado momento também vende remédios controlados.

A construção da cena em que Benny assassina a garota é extremamente bem feita: toda a visita dela ao apartamento ocorre de maneira a gerar uma tensão crescente, passando pelas piadas agressivas do protagonista em relação, por exemplo, a polícia no metrô. Quando o assassinato do porco retorna, tudo que iria acontecer nos próximos minutos fica claro e materializa-se por completo no momento em que Benny revela a arma utilizada para matar o animal. “Era apenas um porco”, responde ao ser indagado sobre presenciar a cena.

A partir do momento em que ele dá o primeiro tiro e ela cai no chão, a situação se torna desesperadora para quem assiste: um tiro no ventre, causando uma dor agoniante que exteriorizava-se em gritos desesperados. Não é possível dizer em um primeiro momento se foi um ato premeditado ou se foi uma decisão pensada no momento, mas, independente disso, escolhe um caminho ao disparar mais duas vezes. O que se segue é uma demonstração da frieza que se estabeleceu junto ao silêncio do tiro fatal: desde comer um danone até ir para uma festa com um amigo — limpando o sangue, no meio do caminho, da mesma forma que limpa o leite que derramou em dada cena do filme.

Quando há o envolvimento dos pais no assassinato, após uma exibição sem querer da fita que gravou o momento em que ocorreu, vemos mais uma amostra da ausência de um significado familiar. O pai, ao traçar planos de como prosseguir com esse acontecimento, em nenhum momento pesa a atitude do filho em tirar uma vida; sua preocupação, na verdade, gira me torno do que pode respingar neles: abandono parental por ter deixado o filho de catorze anos sozinho em casa, negligência ao permitir que ele tivesse uma arma utilizada para abater animais.

A maneira que o pai se livrou do cadáver nos é desconhecida, posto que o filme se volta para o exílio de Benny e da mãe em uma viagem ao Egito, enquanto a desova é realizada. A situação é mascarada de uma maneira muito porca, onde a preocupação latente era nítida: a mãe folheava nervosamente os jornais, assistia os programas de tv, qualquer coisa que indicasse a descoberta do desaparecimento e do assassinato da garota. No último dia, a mãe desaba em lágrimas — afinal, até onde deve ir esse suposto amor maternal? É o suficiente para encobrir um cruel e frio assassinato realizado por seu filho? Quando indagado pelo pai sobre o motivo de tê-lo cometido, diz que queria saber como era.

O final, por mais que seja fechado, tem em suas razões de acontecer, uma abertura. Por que afinal Benny resolveu se entregar e, no processo, também entregar seus pais por participação na ocultação? Há um pitada de Dostoiévski e “Crime e Castigo” aqui, mas sua feição não nos revela uma possível culpa. No final da contas, não importa. O contato com o protagonista, dali pra frente, ocorreria da mesma forma que ele, do seu quarto, tinha com o mundo exterior: por câmeras.

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Felipe
cinetorio

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