Sorry to Bother You, 2018

Felipe
cinetorio
Published in
4 min readMay 14, 2019

A composição desse texto traz informações sobre seu enredo, não leia se não tiver assistido.

★★★★★★✩✩✩✩

Informações técnicas

Título Original: Sorry to Bother You
Ano de Lançamento: 2018
Direção: Boots Riley
País de Produção: EUA
Idioma: Inglês
Duração: 105 min

Sinopse

A trama segue um operador de telemarketing negro com problemas de auto-estima que descobre a chave para o sucesso comercial: mesclar a sua voz com a de um ator branco. Subindo na hierarquia da empresa, ele acaba descobrindo o segredo terrível dos chefes, sendo obrigado a tomar uma importante decisão.

O sucesso que Jordan Peele, diretor de Corra! e Nós, conquistou nos últimos anos, além de servir como termômetro para os direcionamentos que a indústria irá tomar ao financiar produções, também abre as portas para que cineastas de mesma estirpe possam enfim tirar suas ideias do papel.

Sorry To Bother You”, filme de estreia do diretor Boots Riley, carrega essa herança. Assim como nos filmes do Peele, temos uma obra com um humor ácido, tratando de temáticas como racismo, mercado de trabalho e grandes empresas, movimento sindical, ascensão de classe, arte e relacionamentos interpessoais.

Em um primeiro momento, pode parecer muito para um filme de pouco menos de duas horas, mas a produção consegue tratar com grande competência ao explicitar a interdependência desses assuntos, fluindo entre eles de maneira natural.

No começo, vemos um grande esforço por parte do protagonista, que é negro, para conseguir um emprego em uma empresa de telemarketing. Além de estar desempregado, deve meses de aluguel para seu tio, que, em contrapartida, deve para o banco, correndo o risco de perder a casa. Nessa cena já temos elementos de um humor que força situações que beiram o absurdo: dentre as mentiras, temos um troféu falso feito especialmente para a entrevista.

Estagnado desde que começa no trabalho, só sente os ares da mudança quando começa a realizar as ligações utilizando sua voz de branco. É o suficiente para que ele tenha uma ascensão meteórica, sendo promovido em pouco tempo. É nesse momento que o filme começa a aumentar seu absurdo, se aproximando mais de filmes como o Corra!.

Essa promoção coincide com a criação de um sindicato dos atendentes, buscando melhores condições de trabalho e uma maior remuneração, realizando assim, uma greve. Balançado, opta por seguir trabalhando, tendo em vista que começou a se sentir reconhecido e, consequentemente, ignora seus antigos colegas e amigos.

Esse reconhecimento é frágil. Apesar de ser bem remunerado, apenas possuí prestígio dos novos colegas enquanto faz a modulação de sua voz. Ou seja, enquanto simula ser um homem branco. Sua negritude só é reconhecida em forma de esteriótipo, em uma cena marcante na casa do dono da empresa, onde ocorre uma festa para os atendentes sênior.

Nesse momento, sendo o centro das atenções, esperam dele histórias de vingança e violência, envolvendo gangues e tráfico de drogas. Quando ele afirma não ter passado por situações assim, exigem que ele cante um rap, mesmo afirmando que não sabe rimar. Eis que ele, então, canta repetidas vezes “Nigga shit”, arrancando palmas da plateia que, em coro, repete suas palavras.

A partir daí, o filme descamba para o absurdo. As discussões de conceitos que até então estavam no plano do real, passam a ser uma analogia escancarada para a situação dos pobres no mercado de trabalho. Seu chefe, que até então lhe tratava com um falso respeito, o droga com uma substância que, mais tarde, descobriria se tratar de uma solução que o transforma em um homem cavalo.

Esses homem cavalo seriam utilizados, contra a sua vontade, para trabalhar pela mesma empresa que está dominando o mercado imobiliário e ameaçando a casa de seu tio. Uma bela tônica do que é a escravidão moderna, ao mesmo tempo em que há uma ridicularização de seus algozes e defensores, que na vida real são os homens brancos que governam por baixo dos panos; as grandes marcas que dominam o mercado.

Nem o enredo e nem o humor do filme se limitam ao que foi retratado nesse texto, perpassando várias outras nuances das relações estabelecidas em uma sociedade estratificada e racista, onde o mote tem seu maior peso no racismo no ambiente de trabalho. Boots Riley, assim como Jordan Peele, consegue nos entregar uma obra completa e que não se limita aos moldes tradicionais para fazer sua crítica.

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Felipe
cinetorio

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