Leave No Trace, 2018

Felipe
cinetorio
Published in
4 min readOct 14, 2018

A composição desse texto traz informações sobre seu enredo, não leia se não tiver assistido.

★★★★★★★★✩✩

Informações técnicas

Título Original: Leave no Trace
Ano de Lançamento: 2018
Direção: Debra Granik
País de Produção: EUA
Idioma: Inglês
Duração: 108 min

Sinopse

Will e sua filha adolescente, Tom, viveram felizes e indetectados pelas autoridades durante anos em uma vasta reserva na fronteira de Portland, nos EUA. Após um encontro inesperado, eles são retirados do acampamento e colocados sob a responsabilidade do serviço social. Will e Tom tentam retornar ao mundo selvagem enquanto são forçados a lidar com desejos conflitantes.

Eis aqui um filme que foi aclamado em diversos festivais consagrados, como o Sundance e Cannes, tanto pela crítica, quanto pelo público. Uma recepção assim normalmente cria uma expectativa dos que ainda não assistiram em cima da produção e a diretora, Debra Granik nos entrega uma obra intimista de qualidade inegável, após um hiato de oito anos longe do cinema.

Após assistir o filme, algo que se destacou nas pesquisas e leituras realizadas, foi a grande quantidade de comparações com o filme “Capitão Fantástico” (2016), de Matt Ross, onde, de maneira resumida, uma grande família que vive na floresta busca enfrentar o luto da perda da mãe e lidar as consequências que surgem do embate entre as visões de mundo deles e dos avós, empreendedores milionários.

As semelhanças vão até o final da página um, podendo atrelar apenas a vivência afastada da civilização e a educação feita de pai para filha. No filme de 2016, há todo um clima fantasioso no desenvolvimento da história, digno de uma exibição na Sessão da Tarde, onde há a certeza de um final feliz. De certa maneira, ele soa um pouco utópico. Além de tudo, a família possui toda uma estruturação que permite que vivam confortavelmente no meio da floresta.

Leave no Trace”, por outro lado, é mais sombrio. As própria iluminação traz um contraste muito maior, ajudando a criar um clima de tensão, como se a qualquer momento tudo que criaram pudesse ir pelos ares. O conforto se dá na medida em que conseguem encontrar alimentos; não há uma cabana, apenas uma barraca dividida pelos dois para se manterem aquecidos durante a noite. Quando não conseguem obter alimentos por conta própria, precisam fazer uma longa caminhada até a cidade.

Aos poucos vamos percebendo, pelas dicas sutis, o que causou esse afastamento. Desde a busca pelo auxílio econômico dado aos veteranos de guerra, até o teste pelo qual o pai passa quando são descobertos e encaminhados para a assistência social e a leitura dos recortes de jornais, logo percebemos que a desadaptabilidade vem das coisas que enfrentou em ação pelo exército.

Esse é um bom mérito do filme, não há a busca por uma contextualização da situação, o pouco que vemos é o suficiente para imaginar o que se passa na cabeça dele — ou ao menos tangenciar esses pensamentos. Essa parece ser uma realidade comum dentre as pessoas que foram à guerra, inclusive bastante explorada dentro do cinema.

Quando as autoridades descobrem os dois vivendo no parque, eles são levados pela assistência social que busca compreender os motivos pelo qual ambos viviam daquela maneira, também medindo o nível de desenvolvimento da garota e a possibilidade de abusos e mal-tratos. De maneira breve, vemos que a história de ambos repercutiu nos jornais, de forma que um empresário cedeu uma casa para que vivessem, em troca do pai trabalhar para ele.

Por mais que tenham trocado a barraca, no meio da floresta, com as contantes chuvas e matilhas de lobos, por uma casa consideravelmente grande e mobiliada, ainda há uma sensação de perigo que ronda a dupla. Na verdade, o pai. A partir desse momento, vemos que há uma mudança de conflito dentro do filme: o pai, inadaptado, busca retornar às condições anteriores, enquanto a filha, talvez pela primeira vez em contato com outras pessoas, começa a desejar a vida em comunidade.

Ela, contrariada, argumenta com o pai quando ele a leva para longe, buscando reiniciar a vida autônoma e solitária em outro local. Vemos que por mais que tenham vivido isolados, ela ainda conseguiu desenvolver uma personalidade forte e questionadora. Temos assim a tentativa de volta a vida anterior, dessa vez sendo muito mais perigosa do que o vimos antes. Há um risco letal, inclusive ressaltado pela garota que começava a sofrer de hipotermia, com medo de não acordarem pela manhã.

Quando novamente se encontram inseridos em uma comunidade, após o pai se machucar explorando a região da cabana que encontraram após essa noite, esse parece ser o teste final de resistência para eles. Mesmo machucado, o pai só parece pensar em ir embora dali; ao mesmo tempo, a garota começa a criar laços com as pessoas e com a comunidade, que parecem carregar magoas e feridas, da mesma forma que eles.

Ao final do filme, a separação dos dois, que já parecia ser inevitável, acontece. As vontades são opostas: uma visa o isolamento, enquanto a outra visa uma integração, e por mais triste que ambos fiquem, é algo que compreendem, antes de seguirem caminhos diferentes. Não é um filme que aquieta a ansiedade que cria, ao contrário, acaba deixando um gostinho na boca. Thomasin McKenzie nos entrega uma atuação diferenciada, deixando a impressão de que ainda vai crescer muito dentro do ramo — lembrando que a diretora foi uma das responsáveis pela impulsão da Jennifer Lawrence, no filme “Inverno da Alma” (2010).

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Felipe
cinetorio

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